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Encontro no STJ debate jurisprudência ambiental com a presença de autoridades francesas

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) promoveu, na manhã desta terça-feira (16), o 1º Diálogo STJ – Conselho de Estado, com o tema “A jurisprudência sobre meio ambiente e clima”. O evento ocorreu na sede do tribunal, em Brasília, e teve transmissão ao vivo pelo YouTube.

Promovido pelo STJ e pela Embaixada da França no Brasil, em cooperação com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), o encontro teve o objetivo de ampliar o diálogo entre o Poder Judiciário brasileiro e os representantes do Conselho de Estado da França a respeito da jurisprudência mais recente sobre a preservação ambiental e o combate às mudanças climáticas.

Fortalecendo laços entre sistemas judiciais

Na solenidade de abertura, a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, agradeceu à embaixada da França pela parceria na organização do evento e ressaltou o compromisso comum das duas instituições com a proteção do meio ambiente e a promoção de uma sociedade mais justa e sustentável.​​​​​​​​​

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Ministros do STJ e membros do Conselho de Estado da França durante o encontro em Brasília.

Destacando o fortalecimento dos laços entre os sistemas judiciais dos dois países, a ministra apontou a complexidade das questões climáticas e o papel fundamental do Judiciário na busca de soluções que conciliem desenvolvimento econômico e preservação ambiental.  

“O Diálogo STJ representa mais um passo na jornada conjunta rumo à promoção da justiça ambiental. Que possa inspirar ações concretas em prol do fortalecimento das jurisprudências e da qualidade de vida dos cidadãos dos nossos países e do planeta”, disse.

O vice-presidente do Conselho de Estado da França, ministro Didier-Roland Tabuteau, por vídeo, ressaltou a proximidade das duas instituições em temas relacionados à justiça climática. Para o ministro, as trocas de experiências propiciadas pelo seminário indicarão caminhos capazes de assegurar a eficácia de decisões judiciais adequadas às necessidades climáticas “que ultrapassem fronteiras entre países – tanto nas causas quanto nas consequências”.

Em participação também por vídeo, o embaixador do Brasil na França, Ricardo Neiva Tavares, declarou que o encontro permite ampliar a compreensão sobre o papel fundamental da Justiça nas questões ambientais. Mencionando a recente visita do presidente da França, Emmanuel Macron, ao Brasil, o embaixador apontou a centralidade dos temas ambientais no relacionamento bilateral e a importância do trabalho conjunto das nações para enfrentar os desafios nessa área.

“A causa ambiental exige espírito de cooperação e engajamento entre sociedade civil, empresas, cientistas e, naturalmente, juristas”, afirmou o embaixador.

O diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), ministro Mauro Campbell Marques, falou sobre a importância de incluir juízes federais e estaduais no debate. “Os precedentes em matéria ambiental devem servir de inspiração para que juízes e juízas também sejam protagonistas na defesa do meio ambiente”, ponderou.

De acordo com o presidente eleito da Ajufe, Caio Marinho, a troca de conhecimento proporcionada pelo encontro contribui “enormemente para o aperfeiçoamento do exercício da jurisdição no direito ambiental, especialmente com a participação do Conselho de Estado da França”.

Panorama da jurisprudência ambiental das cortes brasileira e francesa

Presidido pelo ministro Francisco Falcão, o primeiro painel da manhã apresentou um panorama geral da jurisprudência ambiental do Conselho de Estado da França e do STJ. Como conferencistas, participaram a ministra Isabelle de Silva, presidente da 6ª Seção do Conselho de Estado da França; a ministra Regina Helena Costa, presidente da Primeira Seção do STJ; e o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil e atual embaixador extraordinário para a mudança do clima.

Francisco Falcão apontou os desafios de acomodar as diretrizes que guiam o tema da justiça ambiental no plano da realidade. “É a angustiante tensão entre o discurso e a prática que convoca o pensamento político e jurídico para a efetivação dos direitos fundamentais, sociais e ambientais”, declarou.

Regina Helena Costa listou alguns dos temas relacionados a direito ambiental já julgados no STJ, mas destacou que ainda não há nenhum cujo foco principal seja a mudança climática. “Como nosso sistema jurídico é diferente do francês, não deve tardar muito para que os temas transitem nas instâncias originárias e alcancem o STJ”, opinou.

Isabelle de Silva apresentou as principais tendências atuais do direito ambiental na França, desde sua inclusão na constituição do país, em 2005, até as decisões mais recentes do Conselho Constitucional Francês, que passou a considerar que a proteção ambiental é um direito não apenas do povo daquele país, mas da população global.

“A questão climática é complexa por natureza, mas quando falamos sobre contencioso climático, a complexidade se potencializa: não se trata apenas de uma questão administrativa, mas de uma política nacional multissetorial”, asseverou Isabelle de Silva.

Participaram do evento os ministros Herman Benjamin, Ricardo Villas Bôas Cueva, Sérgio Kukina, Gurgel de Faria (por vídeo), Ribeiro Dantas e Afrânio Vilela.

Precedentes ambientais selecionados pela Primeira Seção

Presidido pelo ministro Ribeiro Dantas, o painel “Precedentes ambientais selecionados pela Primeira Seção” contou com a apresentação, pelos integrantes do colegiado de direito público, dos principais julgados na questão ambiental. Dantas registrou que, no âmbito penal, o STJ também ajuda a combater as agressões ao meio ambiente. Ele lembrou que a Constituição Federal estabelece o crime ambiental como uma possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas.

Por videoconferência, o ministro Gurgel de Faria falou a respeito da preocupação com o aquecimento global e seus impactos no mundo. Ele mencionou o recurso repetitivo, de relatoria da ministra Assusete Magalhães (aposentada), que definiu que a obrigação ambiental é propter rem (Tema 1.204). Segundo o ministro, isso significa que o dano segue o bem, havendo uma responsabilidade solidária entre os proprietários do local afetado.

O ministro Herman Benjamin abordou algumas teses importantes adotadas pelo colegiado de direito público, como a que não admite a ideia de fato consumado no direito ambiental – o que gerou a edição da Súmula 613. O ministro também destacou precedentes que levaram à edição da Súmula 629, que trata do princípio da reparação integral.

O magistrado apontou ainda julgados sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil pelo dano ambiental, os quais geraram os temas repetitivos 679, 680, 681, 682, 683, 684 e 834. Eles estabelecem que “a responsabilidade é objetiva, não é baseada em culpa, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fato aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar a sua obrigação de indenizar”.

Ofensivas ao meio ambiente atingem toda a coletividade

Ao falar sobre os tipos de penalidade por dano ambiental, o ministro Mauro Campbell Marques observou que “a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera civil para reparação de danos causados, mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor ambiental com a demonstração do componente subjetivo e do nexo causal entre a conduta e o dano”.

O ministro Sérgio Kukina selecionou dois precedentes da Primeira Turma. O primeiro, de 2016, decorreu do acidente radioativo com césio 137 em Goiânia, que desencadeou diversos tipos de ações de reparação de danos. No REsp 930.589, relembrou, os proprietários afetados pediram a condenação da União e do Estado de Goiás pela interdição do seu imóvel por mais de 150 anos. O Estado pediu a sua exclusão do processo, por não ser parte numa outra ação coletiva, mas o argumento foi negado pelo STJ, que manteve a reparação integral dos danos decorrentes desse acidente.

O segundo caso abordado por Kukina tratou da edição da Súmula 613, aprovada em 2018, a qual impede o infrator do meio ambiente de alegar a existência de dano consumado com o objetivo de ver perpetuadas as consequências desse dano.

Por fim, o ministro Afrânio Vilela disse que o STJ tem a missão de mostrar ao Brasil e ao mundo, por meio das suas decisões, que as ofensivas contra o meio ambiente não podem ser consideradas isoladas e restritas ao local em que ocorrem, pois impactam toda a coletividade. O ministro lembrou precedente sobre dano moral coletivo, segundo o qual ficou assentada a desnecessidade de demonstração do prejuízo concreto para a responsabilização do autor do dano ambiental. “A própria ação ofensiva é o mote, e não o resultado”, concluiu.

Mudanças climáticas impactam mais quem menos agravou o problema

No encerramento, o presidente da mesa, ministro Benedito Gonçalves, lembrou que a globalização trouxe consigo diversos benefícios, mas também ameaças ao meio ambiente e o aumento das desigualdades. Na sua opinião, o acesso à Justiça tem papel fundamental para combater esses problemas, devendo o Poder Judiciário estar atento a eles. 

O ministro ressaltou a trajetória do atual embaixador extraordinário para a mudança do clima, Luiz Alberto Figueiredo, que luta há muito tempo para reposicionar o Brasil como país-chave nesse debate. 

O embaixador falou sobre a questão da urgência climática, reconhecida em 1992, quando foi assinada a Convenção do Clima. Segundo ele, diferentemente da poluição – que é mensurável e tem efeitos rápidos e limitados no tempo –, no caso do clima, os seus efeitos são sentidos a longo prazo. Ele questionou como seria a responsabilidade histórica dos países nesse caso, uma vez que as ações de hoje afetam o mundo daqui a cem anos.

Para Figueiredo, é fundamental a discussão da jurisprudência sobre esse assunto, para esclarecer pontos pouco estabelecidos, tendo as cortes “um papel decisivo de sedimentar os entendimentos jurídicos em torno de cada caso”. Por fim, o embaixador lembrou que as mudanças do clima atingem mais profundamente os países mais pobres, ou seja, aqueles que menos contribuíram para o problema.

Também participou da mesa a ministra francesa Isabelle de Silva, para quem o Brasil tem muito a oferecer nesse debate ambiental.

Veja mais fotos do evento.

Fonte Oficial: Portal STJ

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