A Comissão Temporária para Exame de Projetos de Reforma dos Processos Administrativo e Tributário Nacional (CTIADMTR) aprovou nesta quarta-feira (12), em dois turnos, projeto que consolida e atualiza, em um único texto, as normas que regulamentam o processo administrativo fiscal federal, o processo de consulta sobre a aplicação da legislação tributária e aduaneira federal e a mediação tributária e aduaneira no âmbito da União. Se não houver recurso para a votação em Plenário, o texto segue para a Câmara dos Deputados.
O PL 2.483/2022 foi aprovado conforme o relatório do senador Efraim Filho (União-PB), na forma de um texto alternativo, ao qual foram incorporados os conteúdos do PL 2.484/2022, do processo de consulta quanto à aplicação da legislação tributária e aduaneira federal, e do PL 2.485/2022, da mediação tributária na cobrança de dívidas fiscais. Por isso, ambos foram considerados prejudicados na mesma reunião.
Entre as novidades do PL 2.483/2022, estão o registro na legislação tributária de duas regras sobre prazos hoje previstas apenas no Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 2015): a contagem dos prazos processuais em dias úteis e a suspensão do prazo processual entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. O projeto também amplia para 60 dias úteis o prazo para o contribuinte impugnar a exigência de cumprimento das obrigações fiscais, de forma a ter mais tempo para reunir provas. Hoje esse prazo é de 30 dias.
O projeto também modifica prazos de procedimento fiscal, ampliando de 30 dias corridos para 65 dias úteis o prazo para cobrança amigável pela Receita Federal. Esgotada essa possibilidade, o projeto reduz de 90 dias corridos para 30 dias úteis o prazo para a Receita encaminhar os débitos à Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional.
Além disso, o projeto confere maior rapidez à devolução da parcela do crédito tributário objeto de pedido de restituição, ressarcimento ou reembolso, mediante decisão administrativa que reconheça o crédito.
Comissão de Juristas
O PL 2485/2022 já havia sido aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em maio de 2023, quando foi instituída a comissão temporária, presidida pelo senador Izalci Lucas (PL-DF), que passou a concentrar a análise dos 10 projetos sugeridos pela Comissão de Juristas (CJADMTR), que elaborou as minutas.
Criada em 2022 por ato conjunto do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, a comissão de juristas foi comandada pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Regina Helena Costa e elaborou minutas de proposições legislativas para dinamizar, unificar e modernizar o processo administrativo e tributário nacional. Essas minutas, depois, foram posteriormente apresentadas como projeto por Pacheco (PSD-MG).
De acordo com Efraim Filho, ao criar a comissão de juristas, “os presidentes do Senado e do STF compartilhavam a compreensão de que o modelo legal atualmente vigente está ultrapassado, obsoleto, arcaico, e provoca a judicialização excessiva e a burocratização de processos e procedimentos, prejudicando os contribuintes e o próprio fisco”.
Leis consolidadas
Em relação ao PL 2.483/2022, Efraim Filho explica que o texto conjuga o Decreto 70.235, de 1972, que regula contencioso administrativo fiscal, com medidas previstas no Código de Processo Civil e na Lei 14.129, de 2021, que trata do processo administrativo eletrônico.
O objeto do texto original seriam os tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) e cobrados em juízo pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Ocorre que o Decreto 70.235, incorporado e revogado pelo projeto, serve de base também para cobranças não tributárias, por exemplo, a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), do Ibama. Por isso, o relator excluiu a menção à Receita do escopo do projeto.
Além disso, nas audiências públicas, especialistas alertaram os senadores para o fato de o projeto tratar também de medidas de natureza não tributária, como direitos antidumping (de defesa comercial), compensatórios e de salvaguardas comerciais e direitos à propriedade intelectual. Assim, a palavra “tributária” foi trocada por “fiscal” e objeto do texto passou a ser o processo administrativo fiscal. Também foram adicionados o processo de consulta sobre a aplicação da legislação tributária e aduaneira federal e a mediação tributária e aduaneira no âmbito da União, como dispõem os dois projetos incorporados.
Mais inovações
Além dos prazos processuais, o projeto traz outras inovações. Entre elas o relator destaca:
– a possibilidade de apresentação de pedido de diligência ou perícia no recurso voluntário, que é o instrumento por meio do qual o contribuinte recorre da decisão em primeira instância tomada pela Delegacia de Julgamento da Receita Federal do Brasil (DRJ);
– a suspensão (sobrestamento) do julgamento administrativo quando ministro do STJ ou do STF suspender a tramitação de processos judiciais em razão de tema repetitivo ou de repercussão geral, o que poupará o devedor de recorrer ao Poder Judiciário;
– a possibilidade de opor recurso para contestar decisão definitiva (embargo de declaração) em todas as instâncias de julgamento;
– a veiculação em lei da possibilidade de o contribuinte recorrer de decisão que negou seguimento (agravo de despacho) a recurso especial dirigido à Câmara Superior de Recursos Fiscais. Essa possibilidade havia sido suprimida em edição anterior do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
– a intimação, prévia ao auto de infração, de terceiro cuja responsabilidade tributária tenha sido verificada pela fiscalização;
Voto de qualidade em caso de empate no Carf
O texto original do projeto previa que, em caso de empate no julgamento do Carf, a resolução seria favorável ao contribuinte, ou seja, a cobrança seria parcial ou totalmente cancelada, como havia estabelecido a Lei 13.988, de 2020. O relator, no entanto, lembrou que, com a edição da Lei 14.689, de 2023, a regra voltou a ser o voto de desempate a favor do governo nessas votações. Por isso, ele adequou o projeto às normas da lei de 2023.
Reforma tributária
Efraim Filho inseriu o Imposto Seletivo (IS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), instituídos pela reforma tributária, no rol dos tributos federais sujeitos à revisão administrativa prevista no projeto.
O relator acolheu parcialmente emenda do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) para vedar que seja nomeado presidente ou vice-presidente de seção, câmara ou de turma ordinária do Carf o conselheiro com menos de dois anos de mandato efetivo. “Não estendemos a vedação ao presidente e ao vice-presidente do Carf, porque são cargos de natureza administrativa, sendo o primeiro da confiança do secretário especial da RFB, cujos ocupantes não são obrigados a participar das reuniões da Câmara Superior de Recursos Fiscais”, explicou o relator.
Outra emenda do senador Mecias aceita pelo relator exige que o auto de infração ou a notificação de lançamento complementar sejam emitidos por, no mínimo, dois auditores-fiscais da Receita. Segundo Efraim, o objetivo é proteger o contribuinte de eventuais excessos por parte do auditor-fiscal. Outra emenda do mesmo senador possibilita ao devedor sustentação oral e apresentação de memoriais sobre fatos e direitos do processo no julgamento na Delegacia de Julgamento da Receita Federal.
Pessoas com deficiência
Efraim Filho incluiu, na lista de beneficiários de prioridade na tramitação de processo administrativo fiscal prevista no projeto, as pessoas com deficiência física, mental, intelectual ou sensorial conforme já determinado pela Lei 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 2015).
Atos e termos processuais
Uma das novidades da proposta é que atos e termos processuais serão formalizados, tramitados, comunicados e transmitidos, preferencialmente, em formato digital, mediante assinatura eletrônica. A via postal será admitida quando estiver comprovada a impossibilidade de utilização do meio eletrônico.
Outra medida inovadora é a nulidade de lançamentos, despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou impedida, sem fundamentação ou com cerceamento do direito de defesa.
O texto também estipula regras de impedimento para a participação do julgador em julgamento: ter atuado como autoridade lançadora ou praticado ato decisório contra apreciação de autoridade competente; ter interesse econômico ou financeiro, direto ou indireto; ter cônjuge, companheiro, parente consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, como parte do processo.
Processo de consulta
Previsto no PL 2.484/2022 e incorporado ao substitutivo, o processo de consulta busca esclarecer dúvidas sobre à interpretação da legislação tributária e aduaneira relativa a tributos administrados pela Receita Federal e sobre a classificação de serviços, intangíveis (por exemplo, marcas, patentes e carteiras de clientes) e outras operações que produzam variações no patrimônio. As consultas são dirigidas à Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), da Receita Federal.
Para Efraim Filho, o principal mérito do texto é consolidar, em uma única lei, as regras referentes a esse processo, que hoje estão dispersas em várias normas diferentes, Outra medida importante destacada pelo relator é a autorização, prevista no texto, para a Receita Federal criar procedimentos de consulta diferenciados para implementar um programa de compliance cooperativo. Essa expressãsso se refere a um conjunto de práticas adotadas pela administração tributária para garantir o cumprimento das normas fiscais que regem um negócio, a fim de proteger o contribuinte contra riscos e autuações.
No texto alternativo, Efraim ampliou o prazo máximo de julgamento de recursos para contestar decisão definitiva (embargos de declaração) dos atuais 30 dias para 90 dias. Essa ampliação é necessária, segundo ele, por causa da crescente alocação de auditores-fiscais em programas de conformidade tributária. Também foi acolhida pelo relator emenda proposta por entidades representativas de advogados para estabelecer que o processo de consulta deve buscar também a prevenção de conflitos tributários e aduaneiros.
Mediação
O conteúdo do PL 2.485 incorporado ao substitutivo autoriza de forma ampla o uso da mediação. A mediação é um método de solução de conflitos com foco no pagamento das dívidas dos contribuintes com o fisco e pode ocorrer em âmbito judicial ou extrajudicial, como meio de evitar o agravamento da disputa entre o devedor e a Receita Federal.
De acordo com o relator, como método de solução de conflitos, a mediação vai se somar à transação tributária atualmente em vigor e à arbitragem em matéria tributária e aduaneira, prevista no PL 2.486/2022, já aprovado pela comissão, formando o que ele chama de “sistema multiportas” de acesso à Justiça. As medida, na visão do relator, vão desafogar o Judiciário.
O projeto permite mediação em todas as fases do processo: no contencioso administrativo tributário, na inscrição em dívida ativa e no contencioso judicial tributário. Uma vez instaurado o procedimento de mediação, as partes deverão informar ao tribunal administrativo ou judicial para que ocorra a suspensão de eventuais prazos de cobrança por 30 dias, prorrogáveis por igual período.
Para estimular a antecipação da prática de mediação, o relator aceitou sugestão da Receita Federal para oferecer maior percentual de redução em acordos celebrados nas etapas mais próximas da constituição da dívida tributária, escalonados da seguinte maneira:
– 75% no curso do procedimento fiscal;
– 70% no contencioso administrativo fiscal;
– 65% na inscrição em dívida ativa; e
– 60% no contencioso judicial tributário.
Pelo texto, tanto o devedor quanto a Fazenda Nacional podem pedir a mediação. Nos dois casos, a autoridade indicará quem será o mediador, e o devedor poderá rejeitar tal indicação por até duas vezes. Caso ainda discorde das indicações, poderá desistir da mediação.
A mediação poderá ser feita por pessoas internas (auditores fiscais da RFB e procuradores da Fazenda Nacional) ou externas à administração pública. Em ambos os casos, o mediador precisa ter realizado curso de qualificação. O devedor não precisará estar representado por advogado, tornando o processo mais barato. O lado do governo será representado pelo auditor fiscal da Receita Federal e em âmbito judicial pelo procurador da Fazenda Nacional.
O relator acatou várias sugestões de mudanças a essa parte do texto. Uma delas, sugerida pela Advocacia-Geral da União (AGU), incluiu na mediação tributária da União a participação da Procuradoria-Geral Federal da AGU. Foi incluída também a participação de servidor do órgão responsável pela administração do tributo quando a mediação for realizada no curso da ação fiscalizatória.
Outra emenda feita a partir de sugestão der entidades representativas de advogados estende a mediação aos direitos aduaneiros. Em casos aduaneiros, a mediação deverá ser feita por um auditor-fiscal da Receita e por um servidor do órgão da União responsável pela defesa comercial no comércio exterior.
Mais aprovações
A comissão aprovou também a reforma da Lei de Processo Administrativo (PL 2.481/2022) e o projeto da nova Lei de Execução Fiscal (PL 2.488/2022). Nos dois casos, foram aprovados os substitutivos, textos alternativos apresentados pelo relator, senador Efraim Filho.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte Oficial: Agência Senado