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Mutirão da cidadania: Judiciário atende população de rua em Brasília

“Se existe um castigo pior que viver nesse estado, eu desconheço”. A frase dita por Messias de Jesus, de 60 anos, resume o sentimento de boa parte das pessoas que se encontram em situação de rua: a de que chegaram ao fundo do poço, em termos sociais, econômicos, humanos. Para ajudá-las a sair das ruas e ter acesso à cidadania, órgãos públicos e entidades de apoio reuniram-se no Mutirão Pop Rua Jud, que aconteceu nesta quinta-feira (20/6), no pavilhão de exposições do Parque da Cidade, em Brasília (DF).

Entre os serviços ofertados estão corte de cabelo, banho, consulta odontológica, alimentação, vacinação de animais de estimação, emissão de certidão de nascimento, de carteira de trabalho, de passe livre interestadual e o requerimento de benefícios previdenciários. Após passarem por uma triagem – que conta com a colaboração de magistrados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT10) – os moradores de rua são direcionados de acordo com suas necessidades às tendas dos órgãos específicos.

A coordenação da iniciativa contabilizou o atendimento a 382 pessoas somente na manhã de quinta-feira (20/6). Dos serviços prestados, houve o registro de 107 pedidos de Declaração de População em Situação de Rua (PSR); 101, de ingresso no CadÚnico; 82 atendimentos com orientação jurídica; emissão de 77 certidões de nascimento; 71 carteiras de trabalho; 58 atendimentos em saúde; e 51 atendimentos para orientação jurídica federal, entre outros.

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Idealizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e prevista na Resolução n. 425/2021, que instituiu a Política Nacional de Atenção às Pessoas em Situação de Rua e suas Interseccionalidades (Pop Rua Jud), a ação tem como objetivo atender e prestar serviços à população em situação de rua, a fim de garantir seus direitos e promover sua inclusão social.

Conselheiro do CNJ Pablo Coutinho Barreto esteve presente no PoRuaJud do DF. FOTO: G. Dettmar/Ag. CNJ

Coordenador do Comitê Nacional do PopRuaJud, o conselheiro do CNJ Pablo Coutinho Barreto esteve presente na ação e conversou com participantes. Ele explica que esse é um espaço de resgate da cidadania dessas pessoas. “É um local onde é possível conferir o mínimo a que essas pessoas têm direito para que consigam fazer a transição da situação de rua”.

O conselheiro reforça a importância do atendimento integral oferecido aos cidadãos durante os mutirões. “Essa é a Justiça que mais se aproxima do cidadão vulnerabilizado. A pessoa que está em situação de rua não tem onde dormir, não tem o que comer. Ações como esta trazem esse indivíduo para uma condição de vida menos indigna”, afirmou Barreto.

De acordo com a juíza Luciana Sorrentino, da 1ª Vara de Família de Sobradinho, uma das idealizadoras e coordenadora do projeto em Brasília, o mutirão itinerante possibilita a superação de dificuldades de deslocamento e também de obter informações tão comuns a pessoas em situação de rua. “É importante incentivar essa atuação em rede do Poder Judiciário para proporcionar esses serviços, a fim de suprir as necessidades mais urgentes dessa população”, afirmou a magistrada.

Apesar de haver pessoas em grande vulnerabilidade em todo o país, ainda há estados que estão em construção da implementação da política. “Há uma falta de conhecimento de como implementar essa política. Daí o papel do CNJ de fazer essa mobilização, essa transferência de conhecimento para que outros estados executem a política e que isso se espalhe para todo o Brasil”, destacou o conselheiro do CNJ. Ele reforçou que pretende ampliar a execução de mutirões, para que se torne uma política nacional e aconteça de maneira permanente.

Nas ruas há pouco tempo

Messias buscou a Justiça durante o PopRuaJud no DF. FOTO: G. Dettmar/Ag. CNJ

Há vinte dias morando embaixo de marquises na área central da capital do país, “seu” Messias de Jesus chora algumas vezes enquanto aguarda o atendimento do mutirão. Empréstimos consignados levaram o aposentado por acidente de trabalho a não ter como pagar suas dívidas. Aparentando mais do que sua idade real, Messias diz que estar na rua “é o maior fracasso do ser humano”.

Desalentado, prestes a completar 61 anos, ele aguardava para fazer a segunda via de documento de identidade e tentar atendimento na unidade da Defensoria Pública para acompanhar o processo que moveu para reaver sua aposentadoria completa.  “Vou tentar até o fim. Não é justo o que estou passando”, diz. “Não há vida pior que essa”, lamenta.

Novas perspectivas

Em outra tenda de atendimento, estava Tratini da Silva Santos. Aos 28 anos recém completados, a jovem passou os últimos dois anos morando embaixo de marquises, “à mercê do mundo”, como definiu. De família evangélica carioca, aos 26 anos foi expulsa de casa porque seus pais não aceitavam que ela fizesse a transição de gênero.

“Queriam que eu vivesse uma realidade de tristeza e mentira para não terem vergonha de mim. Decidi encarar tudo, mas não sabia que iria parar nas ruas. Fiquei deprimida, triste com a reação de minha família. Nas ruas, mal durmo com medo de violências. Tenho medo de ser queimada viva, de ser estuprada, de ser espancada”, diz a jovem, que saiu do município de Caxias e já conheceu São Paulo, Paraná, Minas Gerais. Agora em Brasília, ela busca por ser aceita e feliz.

Tratini obteve novos documentos durante o mutirão. FOTO: G. Dettmar/Ag. CNJ

“Aqui espero ter uma vida normal. Trabalhar, ter amigos. Na rua ninguém te olha, não perguntam se você tem frio, fome ou sede. No começo tinha muita vergonha de pedir ajuda. Conheci o mutirão hoje de manhã, quando soube que um ônibus pegaria moradores de rua para receberem direitos”, disse. Na noite anterior, conta Tratini, pela primeira vez em muito tempo, dormiu tranquila, em um quarto fornecido por um abrigo da Asa Sul.

Assim como ela, mais de 236 mil pessoas não têm moradia e precisam de todo tipo de ajuda para retomarem suas vidas. O dado é do relatório “População em situação de rua: diagnóstico com base nos dados e informações disponíveis em registro administrativo e sistemas do Governo Federal”, elaborado com base nas informações dos Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centro Pop).

O mutirão Pop Rua Jud conta com a parceria da Defensoria Pública, da Associação dos Notários e Registradores (Anoreg), da Secretaria do Trabalho do Distrito Federal e do INSS, entre outros. Neste ano, a ação esteve sob a coordenação Justiça Federal do Distrito Federal, do TRF-1.

Texto: Regina Bandeira
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias

Fonte Oficial: Portal CNJ

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