Quase metade dos servidores e magistrados que respondeu diagnóstico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre inteligência artificial generativa usa a ferramenta nos tribunais. Entretanto, mais de 70% dos participantes, em ambos os grupos, informaram que a utilizam “raramente” ou “eventualmente”. O resultado integra a pesquisa O uso da Inteligência Artificial Generativa no Poder Judiciário, apresentada nesta quarta-feira (25/9) na audiência pública sobre o tema, na sede do Conselho, em Brasília/DF.
Durante a abertura do evento, os pesquisadores Olívia Gomes Pessoa, do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ), e Juliano Maranhão, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), divulgaram alguns dos resultados obtidos a partir das respostas de 1.681 magistrados e 16.844 servidores. Como não houve utilização de técnica de amostragem na aplicação da pesquisa, não é possível estender as interpretações a todos os integrantes do Poder Judiciário. No entanto, os dados apresentam subsídios importantes para a elaboração de políticas judiciárias.
O ChatGPT, da Open AI, é a ferramenta mais utilizada pelos respondentes (96% entre magistrados e 94% entre servidores). Também são populares entre os pesquisados o Copilot, da Microsoft, e o Gemini, do Google. Além disso, há uma predominância pelo uso de versões livres/abertas. Para os pesquisadores, esse é um ponto importante. “Essas ferramentas podem conter imprecisões e erros, e o seu resultado é indiscernível do produzido por humanos. Isso traz a necessidade de procedimentos de revisão e de transparência sobre o uso. Então existem vantagens para se utilizar ferramentas que são disponibilizadas pelos tribunais, mas que a gente vê pela pesquisa que são minoria”, afirmou Juliano.
Apesar de ser pouco utilizada, a pesquisa aponta que, entre os que lançam mão da ferramenta, há um considerável uso para atividades do tribunal (27% dos magistrados e 31% dos servidores fazem uso na vida profissional). O estudou identificou também interesse expressivo entre aqueles que não a empregam em suas funções. Ademais, em ambos os grupos, a maioria manifestou elevada crença na serventia da IA generativa para apoio à atividade judicial, sobretudo em tarefas que envolvem tecnologia da informação, estatística ou ciência de dados.
Outro fator apontado pela pesquisa diz respeito a opinião geral sobre o emprego adequado da inteligência artificial no escopo do Judiciário. A maioria dos respondentes (67,8% entre magistrados e 59% entre servidores) demonstrou que a ferramenta seria apropriada para busca de jurisprudência.
“As IAs generativas não são treinadas para trazer informações fidedignas de fatos ou da realidade, mas para simular o discurso humano. Não é um problema em si usar a ferramenta para pesquisas de jurisprudência ou fáticas, mas é importante que haja um procedimento de revisão e verificação dos resultados dentro de uma política de governança responsável”, alertou o professor da USP. A pesquisa aponta, no entanto, que as páginas dos tribunais e o Google continuam sendo os principais canais de busca de jurisprudência entre os consultados.
Quando questionados sobre transparência nas atividades judiciais, 83% dos servidores que responderam ao formulário admitiram não informar que utilizam a IA no trabalho, apesar de a reação dos magistrados ser positiva nesse sentido. Pouco mais de 62% afirmaram incentivar a adoção de IA nos gabinetes. Para Juliano, a comunicação e o diálogo quanto ao uso de IA dentro das organizações são fundamentais para que sejam efetivamente implementados mecanismos adequados de revisão, tendo em vista eventuais falhas.
O diagnóstico também revela o interesse massivo entre os magistrados e servidores em treinamento e capacitação na área, sobretudo porque a falta de familiaridade com a Inteligência Artificial foi uma das principais dificuldades identificadas na pesquisa.
Acesse o relatório da pesquisa sobre uso da inteligência artificial no Judiciário.
Regulamentação da IA no Judiciário
A audiência pública sobre Inteligência Artificial no Poder Judiciário, que prossegue até sexta-feira (27/9), contará com a contribuição de especialistas e representantes de instituições na regulamentação do tema. Os participantes debatem a minuta de ato normativo que dispõe sobre a regulamentação de uso de sistemas de IA generativa baseada em grandes modelos de linguagem no Judiciário.
Conselheiro do CNJ e coordenador do Grupo de Trabalho sobre Inteligência Artificial no Poder Judiciário, Luiz Fernando Bandeira de Mello, ressaltou que a audiência pública demonstra o cumprimento de objetivos fundamentais pelo Conselho nessa esfera. “A transparência, ao mostrar para a população como se pretende regular, ou pelo menos uma primeira ideia na qual o grupo vem trabalhando ao longo desses meses, tornando pública uma proposta de regulação que será discutida ao longo desses três dias. E, finalmente, depois, levada a plenária do CNJ. E a obrigação de oitiva da comunidade interessada”, disse o conselheiro durante a abertura do primeiro dia de evento
Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ricardo Villas Bôas Cueva, reforçou a importância em se discutir uma atualização para a Resolução CNJ n. 332, de 2020, que trata sobre ética, transparência e governança na produção e no uso de Inteligência Artificial no Poder Judiciário. A mudança no cenário com o surgimento de IA generativa, segundo o ministro, tornou necessária a criação de novas balizas para que a ferramenta possa ser usada com segurança.
“Isso certamente contribuirá para aumentar a eficiência da prestação jurisdicional, para reduzir as simetrias informacionais e garantir mais equidade e isonomia nos julgamentos. Certamente, esse trabalho que se traz hoje para apreciação do público procura colocar mais um tijolo nessa elaboração tão longa dessa atividade de adaptação da IA no Poder Judiciário”, ressaltou.
Também estiveram presentes na mesa de abertura da audiência o desembargador Pedro Felipe de Oliveira Santos, do Tribunal Regional Federal da 6.ª Região; a presidente da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Laura Schertel; e o advogado Rodrigo Badaró, membro do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
Texto: Jéssica Vasconcelos
Edição: Geysa Bigonha
Agência CNJ de Notícias
Fonte Oficial: Portal CNJ