Violência no ambiente familiar, lesão corporal e estupro de vulnerável estão entre os crimes contra a mulher que comumente são registrados na delegacia de Bagre, no arquipélago do Marajó (PA). Dados e relatos dessa realidade foram obtidos nesta terça-feira (18/2), segundo dia da Ação para Meninas e Mulheres do Marajó, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA).
De acordo com o juiz da comarca de Bagre, Nicolas Caetano, o projeto vai contribuir para a disseminação das informações que a população tanto precisa. “A população do município precisa desse acesso à comunicação, principalmente a parcela que vive na zona rural”, comentou. “Queremos romper com o que chamamos de culturalização da violência doméstica e da violência sexual de um modo geral”, reforçou.
O magistrado mencionou ainda que está com grande expectativa para a inauguração do Ponto de Inclusão Digital (PID) de Bagre, a ser realizada na próxima sexta-feira (21/2). “O nosso PID foi construído numa localidade que fica a 5h de barco daqui do centro de Bagre. Sem dúvida, é uma iniciativa que vai elevar a comunicação e a cidadania do povo bagrense”, adiantou.
A programação no município contou ainda com a oficina “Relações de gênero e o convívio familiar”, voltada para o público masculino. Foi ministrada ainda a palestra “Os desafios de implementação e a importância no estabelecimento de protocolo e fluxo de atendimento a meninas e mulheres vítimas de violência”
Casos de violência
No ano de 2024, a delegacia de Bagre registrou 20 casos de estupro de vulnerável, 46 de ameaça no contexto de violência doméstica e familiar, 2 de lesão corporal no contexto de violência doméstica e familiar, 12 ocorrências das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher e 5 registros de lesão corporal contra a mulher.
Para o delegado de Bagre, Cristiano Brant, os dados ainda estão abaixo do que seria o número real de casos. “Acreditamos que em Bagre, muitas mulheres não denunciam os agressores por questão de dependência emocional, financeira, familiar ou social. Mas é fundamental que os meios de comunicação reforcem a importância das denúncias, para que a Justiça possa agir em defesa dessas vítimas”, argumentou.
A diretora da escola municipal Rui Antonio, Núbia Almeida, de 45 anos, conta que fez parte da equipe que amparou três irmãs, alunas da escola, que eram vítimas de estupro por parte do próprio pai.
“Certa vez, ao final de uma palestra sobre o combate à violência, três alunas que eram irmãs procuraram a diretoria da escola para desabafar sobre o que estava acontecendo com elas em casa. Ouvimos que a mãe delas sabia do que acontecia, mas não reagia porque também era vítima de violência por parte dele. A filha mais nova do casal tinha 12 anos e a mais velha tinha 14”, relembrou.
Núbia conta que o primeiro passo foi oferecer amparo para as meninas e, em seguida, a equipe se dirigiu à delegacia para registrar a denúncia. “Havia muita resistência para que o boletim de ocorrência fosse feito, principalmente pelo fato de o homem ser o provedor financeiro da família. Mas nós não desistimos de fazer a denúncia. Na época ele foi preso, mas depois de 1 ano foi solto”, contou.
Diante desse cenário, a diretora escolar considera importante que a rede de proteção esteja atuante de fato, para que as meninas e mulheres em Bagre estejam mais seguras. “Ver os profissionais articulando o avanço da rede de proteção é uma luz no fim do túnel. Temos esperança de que elas estejam mais seguras a partir de agora”, avaliou.
A professora Leila Brabo, de 51 anos, conta que sofreu violência física durante os 26 anos em que esteve casada. “Meu ex-marido já tinha me batido muitas vezes, mas no último episódio, ele me espancou no meio da rua, na presença de várias testemunhas. Imediatamente, fiz a denúncia na delegacia, mas ele não foi preso em flagrante porque não havia profissional para fazer o exame de corpo de delito naquela sexta-feira à noite”, rememorou.
Atualmente, Leila diz que está separada e já não tem mais medo. “Eu tenho que conviver com ele, já que moramos em casas próximas. Mas a lição que aprendi é que nenhuma mulher não pode aceitar permanecer no ciclo da violência. Hoje em dia, ajudo as alunas da escola em que leciono a não terem medo de procurar alternativas para sair do ciclo da violência”, salientou.
Agenda
- A itinerância ao arquipélago do Marajó (PA) começou dia 17/2 no município de Melgaço e será finalizado nesta sexta-feira (21/2), em Breves. A programação inclui rodas de conversa, palestras e cursos sobre combate à violência contra meninas e mulheres, Lei Maria da Penha, escuta protegida de crianças e adolescentes, gênero, formas de prevenção e medidas socioeducativas. A partir desta quarta-feira (19/2), a programação contará com a participação da conselheira do CNJ Renata Gil e da artista e ativista Luiza Brunet. A comitiva conta com a presença da juíza Ana Lúcia Lynch, além de assessoras e assessores do CNJ e do TJPA.
Menor IDH do Brasil: Melgaço (PA) recebe ação da Justiça no combate à violência contra a mulher
Texto: Thays Rosário
Edição: Geysa Bigonha
Agência CNJ de Notícias
Fonte Oficial: Portal CNJ