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A juridicidade dos contratos automatizados (smart contracts) e a teoria geral dos contratos

Com o avanço da tecnologia, especialmente no campo da blockchain, os contratos automatizados, conhecidos como “smart contracts”, têm ganhado destaque no mundo jurídico e comercial. Esses contratos digitais são programados para executar automaticamente determinadas ações quando condições pré-estabelecidas são atendidas, sem a necessidade de intermediários. Embora essa inovação ofereça uma série de vantagens, como maior eficiência e redução de custos, ela também levanta questões jurídicas complexas, principalmente no que tange à sua juridicidade e à aplicação da teoria geral dos contratos.

A teoria geral dos contratos, conforme estabelecida no Código Civil brasileiro, exige que um contrato tenha, entre outros elementos, a manifestação de vontade das partes, um objeto lícito e possível, e uma causa que não contrarie a ordem pública ou os bons costumes. Tradicionalmente, os contratos são considerados acordos entre as partes que regulam direitos e obrigações. No entanto, os smart contracts, por sua natureza automatizada, modificam essa dinâmica, uma vez que sua execução ocorre sem a intervenção direta das partes envolvidas.

A juridicidade dos contratos automatizados é uma questão central, pois, embora esses contratos sejam baseados em códigos computacionais, é necessário entender como a lei se aplica a esses novos instrumentos. Os smart contracts não são contratos no sentido tradicional, pois, em vez de serem assinados por seres humanos, são programados e executados automaticamente por sistemas. Isso gera uma dúvida quanto à conformidade com os princípios tradicionais dos contratos, como a liberdade de negociação e a capacidade de revogação.

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De acordo com a teoria geral dos contratos, é possível afirmar que os contratos automatizados atendem ao princípio da autonomia da vontade, pois as partes que optam por um smart contract concordam com as condições programadas de forma explícita. Contudo, surge uma discussão sobre a validade da manifestação de vontade nesses contratos, uma vez que as partes não interagem diretamente durante sua execução. Em muitas situações, a vontade das partes é expressa por meio de códigos e algoritmos, que não necessariamente refletem de maneira clara e transparente as intenções subjetivas das partes envolvidas.

Marcos Soares, do Portal do Magistrado, observa que, embora os smart contracts sejam inovadores e eficientes, sua aplicação no Brasil ainda carece de uma regulamentação específica. “A principal questão é como garantir que, ao automatizar processos, não se percam os elementos essenciais do contrato, como a negociação livre e consciente. É necessário que a legislação evolua para reconhecer e regulamentar a validade desses contratos de forma que proteja as partes e respeite os princípios do Código Civil”, afirma Soares.

Em termos de juridicidade, o Código Civil brasileiro reconhece que os contratos podem ser celebrados por meios diversos, inclusive por via eletrônica. Contudo, a ausência de uma regulamentação específica para contratos automatizados gera insegurança jurídica quanto à sua aplicabilidade em determinadas situações. Por exemplo, se um smart contract é executado com base em um erro de programação ou de interpretação dos dados fornecidos pelas partes, como se daria a reparação dos danos ou a revisão contratual, já que o código não permite a revogação ou a modificação unilateral da vontade?

Outro ponto relevante é a questão do cumprimento da função social dos contratos, um princípio consagrado no artigo 421 do Código Civil, que determina que a função social do contrato deve ser observada, ou seja, o contrato deve atender a interesses não apenas das partes envolvidas, mas também da coletividade e da ordem pública. A utilização de smart contracts pode, em certos casos, implicar na redução da flexibilidade para adaptação às necessidades sociais, dado que sua execução é automática e imutável, o que pode gerar conflitos com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

Por outro lado, a utilização de contratos automatizados também pode trazer vantagens significativas, como maior segurança jurídica e redução de custos com intermediários, uma vez que a execução do contrato é realizada de maneira automática e transparente por meio de tecnologia blockchain, que impede a alteração ou fraude nos termos acordados.

Portanto, enquanto os smart contracts oferecem uma solução prática e inovadora para diversas áreas, como o mercado financeiro e os negócios digitais, sua integração à teoria geral dos contratos exige uma análise cuidadosa e a adaptação da legislação existente. A falta de uma regulamentação específica sobre o tema ainda é um obstáculo, mas o crescimento dessa tecnologia demanda que o direito evolua para garantir que a autonomia das partes e os princípios contratuais sejam respeitados, ao mesmo tempo em que se assegure a eficácia e segurança das transações realizadas de forma automatizada.

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