A coleta e o uso de dados biométricos por empregadores têm se tornado uma prática comum em ambientes de trabalho, especialmente para controle de ponto, acesso a áreas restritas e autenticação de identidade. No entanto, essa tendência levanta importantes questionamentos jurídicos sobre a legalidade da prática, a proteção de dados pessoais e os limites do poder diretivo do empregador frente aos direitos fundamentais do trabalhador.
Com a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2020, a regulamentação da coleta, tratamento e armazenamento de dados pessoais, inclusive biométricos, passou a exigir maior cautela por parte das empresas. A LGPD classifica os dados biométricos como dados sensíveis, cuja coleta e utilização devem observar critérios rigorosos de necessidade, finalidade, transparência e segurança.
A utilização de biometria para fins laborais deve ser justificada por uma base legal adequada, como o cumprimento de obrigação legal ou regulatória, o exercício regular de direitos em processo judicial, ou o legítimo interesse do empregador, desde que não se sobreponha aos direitos e liberdades fundamentais do titular dos dados. A simples conveniência ou preferência tecnológica não é suficiente para legitimar o uso indiscriminado desses dados.
Marcos Soares, do Portal do Magistrado, destaca que a legalidade da biometria no trabalho depende do equilíbrio entre segurança e privacidade: “O empregador não pode ignorar os direitos fundamentais do trabalhador sob o argumento de controle ou eficiência. O uso de dados biométricos exige transparência, consentimento válido e proporcionalidade entre o meio adotado e o objetivo buscado”, observa Soares.
Além dos requisitos da LGPD, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a jurisprudência trabalhista reconhecem o direito à intimidade e à dignidade do trabalhador como limites ao poder de direção do empregador. A adoção de mecanismos de controle que envolvam dados pessoais sensíveis pode ser considerada abusiva caso não estejam demonstradas a indispensabilidade do método e a adoção de medidas de segurança compatíveis.
Casos analisados pela Justiça do Trabalho revelam que o uso de biometria, quando desproporcional ou sem justificativa clara, pode configurar violação à privacidade e ensejar responsabilização do empregador. Também tem sido objeto de atenção do Ministério Público do Trabalho, que tem promovido recomendações e firmado termos de ajustamento de conduta com empresas para adequação às normas de proteção de dados.
A transparência com os trabalhadores, a disponibilização de informações claras sobre a finalidade do uso dos dados e a possibilidade de fiscalização interna ou externa são elementos essenciais para garantir a conformidade jurídica da prática. Além disso, é necessário que o armazenamento desses dados seja feito com altos padrões de segurança da informação, evitando vazamentos e acessos indevidos.
A legalidade da biometria nos ambientes de trabalho, portanto, não está garantida apenas pelo avanço tecnológico, mas depende do cumprimento rigoroso da legislação de proteção de dados e da observância dos direitos fundamentais do trabalhador. O desafio é equilibrar a busca por eficiência organizacional com o respeito à privacidade e à dignidade no ambiente laboral.