in

Direitos Fundamentais e o Controle Algorítmico de Fluxos Migratórios

O uso de algoritmos no controle e gestão de fluxos migratórios tem se tornado uma tendência crescente em diversos países, incluindo o Brasil. Com a crescente utilização de tecnologias de inteligência artificial (IA) e big data, governos e organizações internacionais têm adotado sistemas algorítmicos para monitorar, analisar e, em alguns casos, decidir sobre os processos migratórios. No entanto, essa prática levanta importantes questões relacionadas aos direitos fundamentais, especialmente no que diz respeito à privacidade, à igualdade e à dignidade humana, que são pilares do Estado de Direito.

A migração é um direito fundamental garantido pela Constituição Brasileira de 1988, especialmente no artigo 5º, que assegura a todos os indivíduos, incluindo estrangeiros, a igualdade de tratamento e a proteção contra a discriminação. Além disso, o Brasil é signatário de tratados internacionais que reforçam o direito de as pessoas buscarem refúgio, como a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Nesse contexto, qualquer medida que interfira nos fluxos migratórios deve estar em conformidade com esses compromissos internacionais e respeitar os direitos humanos.

O controle algorítmico de fluxos migratórios envolve o uso de softwares que analisam grandes volumes de dados, como informações sobre passagens, histórico de viagem, dados biométricos e outros dados pessoais, com o objetivo de identificar padrões, riscos e até mesmo prever comportamentos. Esses sistemas são apresentados como ferramentas eficientes para melhorar a gestão dos fluxos migratórios e garantir a segurança nas fronteiras. No entanto, essa tecnologia também suscita uma série de preocupações sobre a proteção dos direitos fundamentais dos migrantes.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

Marcos Soares, do Portal do Magistrado, levanta questões sobre a aplicação de algoritmos na migração: “A utilização de algoritmos no controle migratório pode ser uma ferramenta poderosa, mas deve ser aplicada com extremo cuidado. A privacidade dos indivíduos, o direito à dignidade e a não discriminação não podem ser sacrificados em nome de eficiência ou segurança. O direito dos migrantes à proteção contra a arbitrariedade deve ser respeitado”, afirma Soares.

Um dos principais desafios relacionados ao controle algorítmico dos fluxos migratórios é a questão da privacidade. A coleta e o tratamento de dados pessoais dos migrantes, como dados biométricos (imagens faciais, impressões digitais) ou até mesmo informações sensíveis sobre o histórico de vida e movimentos das pessoas, levanta preocupações sobre o uso indevido ou a exposição desses dados, que poderiam ser utilizados para fins discriminatórios ou para monitoramento excessivo.

Outro problema crítico é a discriminação algorítmica. A IA é projetada para tomar decisões baseadas em padrões encontrados nos dados, mas esses algoritmos podem refletir preconceitos ou vieses humanos incorporados no processo de treinamento da máquina. Se não forem adequadamente controlados, os algoritmos podem acabar discriminando certos grupos de migrantes com base em características como origem étnica, religião ou histórico de viagem. Isso pode resultar em tratamento desigual e violação dos princípios constitucionais de igualdade e dignidade da pessoa humana.

Além disso, a transparência e a responsabilidade são fundamentais quando se trata do uso de sistemas algorítmicos. Os migrantes afetados por decisões algorítmicas devem ter o direito de compreender como essas decisões foram tomadas e a possibilidade de contestá-las. A falta de transparência nos processos decisórios pode levar à sensação de insegurança jurídica e ao aumento da desconfiança em relação às autoridades responsáveis pela gestão migratória.

O direito ao devido processo legal, garantido pela Constituição Federal, também se vê afetado por esse tipo de controle. Se a decisão sobre o status migratório de uma pessoa for tomada por um algoritmo sem a devida supervisão humana, sem análise contextual e sem espaço para contestação, o princípio do devido processo pode ser comprometido. Isso contraria o entendimento tradicional de que as decisões relacionadas a direitos fundamentais devem ser tomadas por autoridades competentes, com base na análise individualizada de cada caso.

Ainda, a proteção contra a arbitrariedade também é um princípio essencial que deve ser observado. A simples automatização dos processos pode levar à adoção de medidas impessoais e insensíveis, sem levar em consideração a complexidade das histórias individuais dos migrantes. O risco de decisões equivocadas ou injustas é significativo, especialmente quando a IA é usada de maneira opaca e sem garantias de revisão judicial ou supervisão externa.

A solução para esses desafios passa pela criação de uma regulamentação clara e rigorosa que estabeleça limites para o uso de algoritmos no controle migratório, assegurando que esses sistemas sejam usados de forma ética e transparente. O Estado deve garantir que as decisões tomadas por algoritmos sejam passíveis de revisão e controle, que sejam baseadas em princípios de não discriminação e que respeitem os direitos fundamentais dos migrantes.

A humanização do processo migratório é outro aspecto essencial. O controle algorítmico deve ser visto como uma ferramenta complementar, não como uma substituição dos direitos humanos. O direito à migração, à solicitação de refúgio e à proteção contra perseguições políticas e religiosas deve ser assegurado, independentemente da tecnologia usada para monitorar esses fluxos. O uso de IA deve ser alinhado a uma abordagem de direitos humanos, garantindo que os migrantes possam exercer seus direitos de maneira justa, segura e igualitária.

Em resumo, embora os algoritmos possam trazer benefícios na gestão dos fluxos migratórios, é fundamental que seu uso seja regulado e supervisionado de maneira que respeite os direitos fundamentais dos migrantes. O Estado tem o dever de garantir a transparência, a não discriminação e o direito ao devido processo legal, para que a proteção dos direitos humanos seja mantida, mesmo diante do avanço das tecnologias digitais. O controle algorítmico dos fluxos migratórios deve ser uma ferramenta que, longe de comprometer a dignidade humana, contribua para uma gestão mais eficiente e justa das migrações no cenário global.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

A Responsabilidade Civil do Estado por Omissão em Catástrofes Climáticas

A Judicialização do Direito à Internet como Serviço Essencial