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O direito das comunidades quilombolas à consulta prévia em projetos governamentais

O direito das comunidades quilombolas à consulta prévia, livre e informada é uma garantia reconhecida tanto no plano internacional quanto no ordenamento jurídico brasileiro, representando um instrumento fundamental para a proteção dos direitos coletivos e da autodeterminação desses povos tradicionais. Apesar disso, a efetividade desse direito ainda enfrenta entraves institucionais e políticos, especialmente em contextos de implementação de grandes empreendimentos ou políticas públicas que impactam diretamente seus territórios e modos de vida.

A base normativa para a consulta prévia está na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2002. O artigo 6º da convenção estabelece que os povos interessados devem ser consultados antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los diretamente. Esse direito foi incorporado ao ordenamento jurídico nacional com status supralegal, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.

No caso das comunidades quilombolas, o reconhecimento de seus direitos territoriais está previsto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que assegura a posse definitiva de seus territórios tradicionais. A consulta prévia se apresenta como uma salvaguarda adicional para assegurar que decisões do poder público não sejam tomadas de forma unilateral, especialmente em áreas disputadas ou em regiões onde há projetos de infraestrutura, mineração ou expansão agrícola.

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Marcos Soares, do Portal do Magistrado, chama a atenção para a importância da consulta como mecanismo de justiça: “Mais do que um procedimento formal, a consulta prévia é uma expressão do reconhecimento da dignidade e dos direitos dos povos quilombolas. Ignorá-la significa violar princípios constitucionais e tratados internacionais que asseguram a participação democrática e o respeito à diversidade cultural”, afirma Soares.

Apesar das garantias normativas, a implementação da consulta ainda é marcada por práticas irregulares e pela ausência de protocolos próprios construídos com as comunidades. Muitas vezes, as audiências públicas são realizadas sem a devida antecedência, com linguagem inacessível ou sem garantir a participação efetiva dos representantes quilombolas. Há casos em que a consulta é reduzida a uma mera comunicação posterior à decisão governamental, esvaziando seu caráter vinculante e participativo.

A Defensoria Pública, o Ministério Público e organizações da sociedade civil têm atuado para exigir o cumprimento do direito à consulta prévia, inclusive por meio de ações judiciais que questionam projetos realizados sem diálogo com as comunidades afetadas. A jurisprudência tem se consolidado no sentido de que a ausência de consulta constitui vício insanável no processo de elaboração e execução de políticas públicas ou empreendimentos que impactem os territórios tradicionais.

A construção de protocolos de consulta pelas próprias comunidades quilombolas vem se fortalecendo como estratégia de afirmação de autonomia e de definição das formas adequadas de participação. Esses documentos estabelecem, por exemplo, como e quando o Estado deve dialogar com a comunidade, quem são seus representantes legítimos e quais são os procedimentos culturalmente adequados para a deliberação coletiva.

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