A telemedicina, prática que utiliza tecnologias de comunicação para fornecer cuidados médicos à distância, tem se consolidado como uma ferramenta essencial para a saúde global. A possibilidade de realizar consultas, diagnósticos e acompanhamentos à distância tem se mostrado especialmente valiosa em tempos de pandemia, mas também apresenta desafios no que diz respeito à regulação, privacidade dos dados e aos limites da atuação de profissionais de saúde em jurisdições distintas. No Brasil, a expansão da telemedicina transfronteiriça — que envolve a prestação de serviços médicos entre profissionais ou instituições localizadas em diferentes países — levanta questões jurídicas complexas que precisam ser abordadas para garantir a eficácia e a segurança dessa modalidade de atendimento.
O aumento da prática de telemedicina transfronteiriça se deve, em grande parte, ao avanço das tecnologias digitais e à crescente demanda por serviços de saúde rápidos e acessíveis, além de permitir a especialistas atuarem em regiões carentes de profissionais qualificados. No entanto, essa prática ultrapassa as fronteiras nacionais e exige um cuidado redobrado em relação a vários aspectos legais, que envolvem desde a qualificação do médico e o reconhecimento das suas competências até a proteção dos dados dos pacientes, que, muitas vezes, podem estar localizados em diferentes países com legislações de proteção de dados distintas.
Uma das principais questões jurídicas que surgem no contexto da telemedicina transfronteiriça é a regulamentação da atuação dos profissionais de saúde. No Brasil, a Lei nº 13.989, de 2020, regulamenta a telemedicina, permitindo a realização de consultas e atendimentos à distância, mas estabelece que os profissionais devem estar registrados no Conselho Regional de Medicina (CRM) do local onde atuam. Essa exigência gera um primeiro ponto de tensão quando a consulta ocorre entre um médico brasileiro e um paciente em outro país, ou vice-versa. A pergunta central é: pode um profissional atuar legalmente fora de sua jurisdição de registro? As discussões legais apontam que, em muitos casos, a regulamentação de cada país deve ser observada, o que pode dificultar a prestação de serviços médicos de forma transfronteiriça.
Além disso, a telemedicina transfronteiriça coloca desafios relacionados à responsabilidade civil dos profissionais e das instituições de saúde. Em caso de erro médico ou falha no atendimento, a definição de qual legislação será aplicada, e qual jurisdição terá competência para julgar o caso, é uma questão fundamental. Quando um paciente reside em um país diferente daquele onde o médico está registrado, a disputa sobre qual tribunal é competente para julgar a ação pode complicar o processo. É necessário que as legislações de diferentes países sejam harmonizadas ou que acordos bilaterais ou multilaterais sejam firmados para regular a matéria e garantir a eficiência da justiça.
Outro ponto crucial envolve a proteção dos dados dos pacientes. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) regula o tratamento de dados pessoais e estabelece obrigações claras para as instituições que lidam com informações sensíveis. No entanto, a telemedicina transfronteiriça frequentemente implica o compartilhamento de dados entre diferentes jurisdições, o que pode envolver legislações de proteção de dados distintas. Isso levanta uma série de questões sobre a segurança e privacidade das informações médicas. Se um médico brasileiro atende um paciente nos Estados Unidos, por exemplo, será necessário entender como os dados do paciente serão protegidos, considerando que as legislações de privacidade nos Estados Unidos podem ser menos rigorosas do que no Brasil.
Ademais, a questão da validação dos diagnósticos e tratamentos realizados à distância é outro aspecto jurídico relevante. A telemedicina no Brasil, mesmo com sua regulamentação, ainda carece de diretrizes mais detalhadas sobre como garantir a qualidade e a precisão dos serviços prestados internacionalmente. A transposição dos padrões de atendimento entre os diferentes sistemas de saúde pode gerar conflitos sobre qual país será responsável por monitorar e certificar os serviços de telemedicina, principalmente em relação a tratamentos que envolvem medicamentos, exames laboratoriais ou terapias complexas.
Para Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, os avanços da telemedicina exigem uma adaptação legal mais ágil. “O Brasil tem sido pioneiro em muitas áreas da tecnologia da saúde, mas ainda precisa evoluir na forma como trata a regulamentação da telemedicina transfronteiriça. A proteção dos dados dos pacientes e a definição clara de jurisdição e responsabilidades são questões que precisam ser abordadas urgentemente para garantir que o sistema de saúde digital brasileiro seja seguro, acessível e eficiente”, afirma.
A solução para essas questões jurídicas pode passar por acordos internacionais, protocolos de atuação conjuntos entre conselhos de medicina e a adoção de normas técnicas mais robustas para a telemedicina. A harmonização das legislações nacionais e a criação de um sistema de certificação internacional para a prática médica digital também são passos importantes para garantir que a telemedicina transfronteiriça seja uma prática legal, ética e segura, tanto para os profissionais quanto para os pacientes.