A Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, foi criada para estabelecer a responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção cometidos no âmbito de suas atividades. A legislação, ao lado de outras medidas anticorrupção, tem como objetivo fundamental a promoção da ética e da transparência nas relações públicas e privadas, além de combater práticas ilegais que envolvem o uso de recursos públicos. Contudo, surge uma questão relevante sobre a aplicabilidade dessa lei nas contratações emergenciais, que, por sua natureza, são realizadas em situações de urgência e podem gerar desafios específicos em termos de fiscalização e compliance.
Contratações Emergenciais no Contexto Brasileiro
No Brasil, as contratações emergenciais ocorrem quando há necessidade de atender a uma situação imprevista, que exige a imediata realização de um contrato para garantir a continuidade dos serviços públicos ou a satisfação de necessidades essenciais. Tais contratações estão previstas na Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações) e, em determinadas circunstâncias, podem ser realizadas de forma mais simplificada, sem os rigorosos processos licitatórios habituais.
Embora as contratações emergenciais sejam uma ferramenta importante para enfrentar situações imprevistas, elas também criam um ambiente propício para abusos. A urgência no atendimento das demandas pode resultar em uma maior flexibilidade nas condições contratuais e um controle reduzido sobre os procedimentos adotados, o que, por sua vez, pode facilitar práticas corruptas, como fraudes na seleção de fornecedores, superfaturamento de contratos e o favorecimento de determinadas empresas.
A Lei Anticorrupção e sua Aplicabilidade em Situações Emergenciais
A Lei Anticorrupção impõe a responsabilidade das pessoas jurídicas, inclusive nas contratações com a administração pública, por atos de corrupção, fraudes e outros comportamentos ilícitos. Ela estabelece sanções que incluem multas pesadas, além de proibição de contratação com o poder público, o que reforça a necessidade de um rigoroso sistema de controle e fiscalização nas relações com o Estado.
No entanto, a aplicabilidade da Lei Anticorrupção nas contratações emergenciais envolve uma série de desafios. A lei exige a implementação de mecanismos de prevenção à corrupção, como a adoção de programas de compliance e auditorias internas, que podem ser mais difíceis de aplicar em processos emergenciais devido à rapidez com que as contratações devem ser feitas. A questão central é como garantir que a pressão pela agilidade não comprometa a eficácia da fiscalização e o cumprimento dos princípios anticorrupção.
Uma das dificuldades é que, em um cenário de contratação emergencial, as exigências burocráticas podem ser minimizadas para facilitar o processo de contratação. No entanto, isso não pode resultar na dispensa de processos de verificação da idoneidade das empresas contratadas ou na negligência dos mecanismos de controle interno. A aplicabilidade da Lei Anticorrupção nesse contexto exige um esforço adicional das autoridades responsáveis para garantir que, mesmo em situações de urgência, as contratações sejam feitas de maneira transparente e em conformidade com os princípios éticos.
A Responsabilidade das Empresas
As empresas envolvidas em contratações emergenciais também devem estar cientes de sua responsabilidade sob a Lei Anticorrupção. Elas devem implementar programas de compliance que ajudem a prevenir e detectar atos ilícitos. Embora seja desafiador realizar esse tipo de controle em um processo acelerado, as empresas precisam adotar medidas como auditorias e treinamentos constantes para garantir que seus funcionários sigam as normas de conduta estabelecidas.
A fiscalização da idoneidade das empresas contratadas em um cenário emergencial é fundamental. A falta de tempo para um processo licitatório tradicional não pode ser justificativa para a contratação de fornecedores que não tenham histórico de conduta ética ou que possam representar riscos para a administração pública. O compliance adequado deve garantir que as empresas contratadas, mesmo em caráter emergencial, tenham a mesma integridade exigida em processos licitatórios normais.
O Papel dos Órgãos de Controle
Os órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), desempenham papel crucial na fiscalização das contratações emergenciais. Eles devem garantir que os processos de contratação sejam realizados dentro dos limites legais, mesmo que em um ambiente de urgência. A atuação desses órgãos de fiscalização deve ser preventiva, monitorando não apenas o cumprimento das formalidades exigidas pela Lei 8.666/1993, mas também se as medidas anticorrupção estão sendo efetivamente aplicadas pelas empresas contratadas.
A Lei Anticorrupção prevê que as empresas que adotem medidas de compliance adequadas possam reduzir a severidade das penalidades impostas em caso de infração. Isso significa que, em um cenário de contratação emergencial, as autoridades responsáveis podem considerar a existência de programas de compliance bem estruturados ao avaliar a conduta das empresas, o que contribui para a criação de um ambiente mais seguro e menos suscetível a práticas fraudulentas.
A Visão de Marcos Soares sobre a Lei Anticorrupção em Contratações Emergenciais
Marcos Soares, especialista em Direito Público, destaca que “a aplicação da Lei Anticorrupção em contratações emergenciais exige um equilíbrio delicado entre a necessidade de agilidade nas contratações e a exigência de uma fiscalização rigorosa. Embora as situações emergenciais justifiquem a rapidez, não podemos abrir mão dos mecanismos de controle, que são essenciais para evitar fraudes e corrupção.”
Desafios e Perspectivas Futuras
A aplicação da Lei Anticorrupção em contratações emergenciais é uma área em que o Brasil ainda precisa avançar, buscando soluções que permitam o cumprimento de ambas as exigências: a urgência e a transparência. A implementação de sistemas de controle mais eficientes, que possam ser aplicados rapidamente em situações emergenciais, sem comprometer a integridade do processo, é essencial.
Além disso, a educação e a conscientização sobre a importância da prevenção à corrupção devem ser intensificadas entre as empresas e órgãos públicos, reforçando a necessidade de um compromisso contínuo com a ética e a transparência, independentemente da natureza das contratações realizadas.
O aprimoramento dos mecanismos de controle e a adoção de melhores práticas de compliance são passos fundamentais para garantir que, mesmo em situações emergenciais, a administração pública continue a ser conduzida com responsabilidade, evitando que a urgência se torne um pretexto para práticas corruptas.