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O Acesso à Justiça de Povos Tradicionais: Barreiras Culturais e Jurídicas

O acesso à justiça é um direito fundamental previsto na Constituição Federal e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. No entanto, quando se trata de povos e comunidades tradicionais — como indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas —, esse direito enfrenta obstáculos específicos que vão além da dimensão jurídica e tocam elementos culturais, territoriais e linguísticos.

Para Marcos Soares, do Portal do Magistrado, “o Judiciário precisa reconhecer que aplicar a lei de forma igual nem sempre é suficiente para promover justiça real. Povos tradicionais vivem em contextos distintos, com valores e formas próprias de organização. É necessário adotar uma perspectiva intercultural e sensível às especificidades desses grupos, sob pena de perpetuar desigualdades históricas”.

As barreiras enfrentadas por essas comunidades começam na própria estrutura do sistema de justiça. Muitas vivem em regiões remotas, com difícil acesso físico a fóruns, defensorias e promotorias. Soma-se a isso a ausência de intérpretes, tradutores e mediadores culturais, o que compromete a compreensão dos processos e a participação efetiva nas decisões que lhes dizem respeito.

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A Constituição de 1988 reconhece o direito dos povos indígenas à diferença, ao território tradicionalmente ocupado (art. 231) e à própria organização social. No entanto, conflitos fundiários, ações possessórias e projetos de infraestrutura muitas vezes são decididos sem consulta prévia, livre e informada, descumprindo convenções internacionais como a Convenção 169 da OIT, com força normativa no Brasil desde 2004.

Além disso, o modelo jurídico estatal frequentemente ignora os mecanismos próprios de resolução de conflitos dessas comunidades, que poderiam ser respeitados e integrados em estratégias alternativas de acesso à justiça. A imposição de procedimentos ocidentais, baseados na litigiosidade, pode inviabilizar a defesa de direitos sob uma ótica comunitária.

Nos tribunais, tem havido avanços importantes. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já reconheceram a legitimidade da autodeterminação cultural e têm exigido estudos de impacto social e ambiental em processos que afetam territórios tradicionais. No entanto, ainda é raro ver a inclusão de saberes tradicionais como fonte legítima de prova ou de argumentação jurídica.

Programas como os Balcões de Justiça, Justiça Itinerante e Defensorias Públicas especializadas em direitos coletivos vêm tentando aproximar o sistema jurídico dessas populações. No entanto, sua atuação ainda é insuficiente frente à diversidade e à extensão territorial do país.

A superação dessas barreiras passa pela formação continuada de operadores do Direito, pela ampliação de políticas públicas de justiça comunitária e pela valorização das formas tradicionais de saber e organização. O acesso à justiça, nesses casos, não é apenas uma questão de portas abertas, mas de escuta ativa, reconhecimento e diálogo entre sistemas de conhecimento diferentes. É nesse terreno que se constrói um Judiciário verdadeiramente plural, inclusivo e comprometido com os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

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