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O Direito à Proteção Contra Vigilância Massiva de Dispositivos Eletrônicos

Em um mundo cada vez mais conectado, onde dispositivos eletrônicos registram rotinas, hábitos e até emoções, cresce a preocupação com a vigilância massiva e não autorizada promovida por entes públicos e privados. A prática, muitas vezes invisível ao cidadão comum, representa uma ameaça direta a direitos fundamentais, em especial à privacidade, à intimidade e à liberdade individual.

A vigilância massiva consiste na coleta indiscriminada de dados de grandes populações, geralmente feita por meio de softwares espiões, monitoramento de redes sociais, aplicativos, câmeras com reconhecimento facial e outras tecnologias que operam sem consentimento explícito. O problema é que essa vigilância, quando desprovida de controle judicial e transparência, colide com garantias constitucionais e pode abrir caminho para abusos de poder, discriminação algorítmica e criminalização seletiva.

De acordo com Marcos Soares, jurista e editor do Portal do Magistrado, o uso desenfreado de tecnologias de monitoramento viola não apenas a Constituição Federal, mas também tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. “A proteção contra a vigilância eletrônica sem base legal está ligada ao núcleo essencial da dignidade da pessoa humana. O Estado não pode tratar todos os cidadãos como suspeitos em potencial. O que está em jogo é o equilíbrio entre segurança pública e liberdades civis”, destaca.

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O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e das comunicações. Já o inciso XII protege o sigilo das comunicações e dados, exceto por ordem judicial, nos termos da lei. Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) reforça o princípio da necessidade e da finalidade no tratamento de dados, proibindo a coleta abusiva ou desproporcional de informações pessoais.

Apesar disso, diversos municípios e estados vêm adotando sistemas de vigilância por reconhecimento facial, integrando bancos de dados públicos e privados, muitas vezes sem debate público ou regulamentação clara. Relatórios de entidades civis, como a InternetLab e a Human Rights Watch, já apontaram casos de uso discriminatório dessas tecnologias, com impactos desproporcionais sobre populações vulneráveis.

Marcos Soares alerta para o risco de criação de um “Estado vigilante”, em que a presunção de inocência se perde frente ao poder de tecnologias opacas. “O cidadão precisa saber quando está sendo monitorado, por quem, com qual finalidade e por quanto tempo seus dados serão armazenados. Caso contrário, estaremos diante de uma erosão silenciosa das garantias democráticas”, afirma.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) vem sendo cada vez mais chamada a se posicionar sobre o uso de tecnologias de vigilância em massa. Em julgamentos recentes, como os que discutem o acesso a dados de geolocalização e comunicações por autoridades policiais, a Corte tem reiterado a necessidade de autorização judicial e proporcionalidade na obtenção de provas digitais.

No cenário internacional, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) e a Suprema Corte dos EUA têm imposto limites rigorosos ao uso estatal de vigilância sem mandado judicial, especialmente quando há risco de violação sistemática de direitos civis.

Diante desse contexto, juristas e entidades de proteção digital defendem a aprovação de marcos legais específicos para regular tecnologias de vigilância, com critérios claros de transparência, auditoria, acesso à informação e responsabilização em caso de abuso.

Proteger o cidadão contra a vigilância indiscriminada é mais do que uma demanda jurídica — é uma necessidade democrática. Em tempos de dados como moeda e algoritmos como juízes invisíveis, garantir o direito à privacidade digital é assegurar que a liberdade continue sendo um pilar fundamental da ordem constitucional.

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