A evolução da internet para um modelo descentralizado, conhecido como Web3, trouxe novas oportunidades de negócios e inovação financeira. No entanto, esse mesmo ecossistema — baseado em blockchain, ativos digitais e contratos inteligentes — também tem sido explorado por empresas fantasmas e esquemas de lavagem de dinheiro, criando um novo desafio para os reguladores e o sistema jurídico.
Na Web3, é possível criar entidades autônomas (como DAOs – organizações autônomas descentralizadas), realizar transações com criptomoedas de forma pseudônima e movimentar ativos digitais sem intermediários tradicionais. Essa descentralização, ao mesmo tempo que promove autonomia, reduz a capacidade do Estado de identificar e responsabilizar pessoas jurídicas e físicas envolvidas em atividades ilícitas.
As empresas fantasmas digitais — estruturas sem operação real ou sede física — vêm sendo utilizadas para registrar domínios, captar recursos via tokens e movimentar valores expressivos, muitas vezes com pouca ou nenhuma prestação de contas. O uso de carteiras frias, mixers (serviços que embaralham transações) e blockchains de privacidade dificulta ainda mais o rastreamento.
Do ponto de vista jurídico, o combate à lavagem de dinheiro na Web3 exige um novo modelo regulatório. A atual Lei nº 9.613/98, embora robusta, foi criada para um cenário predominantemente bancário e centralizado. Hoje, instituições como o GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional) já recomendam que países adotem diretrizes específicas para ativos virtuais e provedores de serviços de criptoativos (VASPs).
No Brasil, a Lei nº 14.478/2022, que estabelece diretrizes para a regulação do mercado de criptoativos, foi um avanço importante, mas ainda carece de regulamentações complementares que tratem da identificação efetiva de beneficiários finais, transparência de operações em DAOs e mecanismos de fiscalização sobre contratos inteligentes.
Para o jurista Marcos Soares, editor do Portal do Magistrado, o fenômeno exige respostas urgentes e coordenadas. “A arquitetura da Web3 foi pensada para ser descentralizada, mas isso não significa estar fora do alcance do Direito. O desafio está em criar normas que preservem a inovação sem permitir que o anonimato seja escudo para o crime. O Poder Judiciário precisará evoluir tecnicamente para lidar com essas novas formas de ocultação patrimonial”, afirma.
Diversos países já adotam medidas para mapear riscos da Web3. Os Estados Unidos, por exemplo, criaram forças-tarefa interagências para monitorar ativos digitais usados por organizações criminosas. A União Europeia, por sua vez, avança com o regulamento MiCA (Markets in Crypto-Assets), que impõe regras mais rígidas de transparência e controle de identidade.
No Brasil, o caminho parece apontar para uma regulação em camadas, com exigências proporcionais ao risco envolvido. Especialistas defendem a cooperação entre órgãos como o COAF, a Receita Federal e o Banco Central, além do uso de ferramentas tecnológicas — como análises de blockchain forense — para identificar fluxos suspeitos.
Enquanto o ordenamento jurídico busca respostas, a Web3 segue se expandindo. E o desafio do Direito será equilibrar liberdade e responsabilidade, evitando que o futuro da internet se torne um território sem lei.