A crescente adoção de ferramentas de inteligência artificial (IA) no setor de Recursos Humanos (RH) tem levantado debates jurídicos relevantes no Brasil e no mundo. Com o uso de algoritmos para recrutamento, análise de desempenho, demissões e gestão de talentos, surgem preocupações sobre discriminação algorítmica, violação de direitos fundamentais e a transparência nos processos de tomada de decisão automatizados. O tema vem ganhando força no meio jurídico, especialmente com as discussões sobre a regulamentação da IA no Congresso Nacional e no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
De acordo com especialistas, embora a tecnologia traga benefícios como ganho de eficiência, redução de custos e padronização de processos, também há riscos significativos. A principal preocupação está na ausência de uma legislação específica que trate da IA de forma transversal, o que deixa lacunas na proteção de direitos trabalhistas e na responsabilização por eventuais abusos.
Marcos Soares, jurista e editor do Portal do Magistrado, ressalta que o uso indiscriminado de algoritmos pode ferir princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e o da isonomia. “Se uma ferramenta de IA é treinada com dados enviesados, ela pode reproduzir e até amplificar discriminações históricas, como preferir homens brancos para cargos de liderança ou excluir automaticamente candidatos com determinadas características. É necessário garantir que a tecnologia esteja a serviço da inclusão e não da exclusão”, afirma.
A regulamentação da inteligência artificial aplicada ao RH deve observar princípios já consolidados no ordenamento jurídico, como o direito à transparência, à explicação das decisões automatizadas e ao contraditório. Além disso, normas como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) já impõem obrigações importantes, como a necessidade de consentimento para tratamento de dados sensíveis e a possibilidade de revisão de decisões tomadas com base exclusivamente em algoritmos.
No cenário internacional, a União Europeia está na vanguarda da discussão, com a proposta do AI Act, que classifica o uso de IA em recrutamento como de alto risco e impõe uma série de requisitos para garantir conformidade ética e jurídica. No Brasil, o Projeto de Lei 2.338/2023 busca estabelecer um marco legal para a IA, e prevê, entre outros pontos, a responsabilização civil por danos causados por sistemas automatizados.
Empresas que utilizam tecnologias baseadas em inteligência artificial em seus departamentos de RH devem investir em auditorias algorítmicas, comitês de ética e capacitação de profissionais para garantir a governança e o uso responsável da tecnologia. Do ponto de vista jurídico, é essencial que essas organizações atuem de forma preventiva, documentando os processos de tomada de decisão automatizada e permitindo revisões humanas em casos críticos.
A regulamentação da inteligência artificial em Recursos Humanos não é apenas uma necessidade técnica, mas uma exigência ética e jurídica diante dos impactos que essas tecnologias podem causar na vida de trabalhadores e trabalhadoras. Como alerta Marcos Soares, “o Judiciário deve estar preparado para lidar com uma nova geração de conflitos trabalhistas, em que o agente responsável pela decisão não é um ser humano, mas um código invisível”.