O debate sobre o reconhecimento da personalidade jurídica de animais não humanos tem ganhado força no meio jurídico, impulsionado por mudanças na percepção ética sobre os direitos dos animais e pela necessidade de adequar o ordenamento jurídico a essa nova realidade. A proposta busca conferir aos animais uma posição mais próxima à de sujeitos de direito, rompendo com a tradicional classificação de seres sencientes como meros objetos de propriedade.
No Brasil, o artigo 225, §1º, inciso VII, da Constituição Federal impõe ao poder público e à coletividade o dever de proteger a fauna, vedando práticas que submetam os animais à crueldade. A Lei nº 9.605/1998, que trata dos crimes ambientais, também prevê sanções para condutas lesivas contra animais, reforçando a tutela penal desses seres. Apesar disso, o ordenamento ainda os enquadra juridicamente como bens semoventes, o que limita sua proteção efetiva em casos de maus-tratos, abandono ou exploração.
Nos últimos anos, algumas decisões judiciais passaram a reconhecer os animais como sujeitos de direitos fundamentais, especialmente em ações que envolvem habeas corpus para primatas ou a tutela de animais de estimação em contextos familiares. A doutrina e parte da jurisprudência vêm discutindo a possibilidade de atribuir personalidade jurídica aos animais como forma de ampliar sua proteção, garantindo-lhes representação processual e assegurando sua dignidade enquanto seres sencientes.
Marcos Soares, do Portal do Magistrado, aponta que a discussão ainda é permeada por controvérsias: “Reconhecer a personalidade jurídica dos animais é um avanço ético, mas que impõe desafios teóricos e práticos ao sistema jurídico. A jurisprudência ainda busca parâmetros claros para lidar com essa nova forma de subjetividade jurídica, sem esvaziar os institutos tradicionais do Direito”, comenta Soares.
Um dos argumentos centrais dos defensores da causa é que a ausência de personalidade jurídica limita a efetividade das garantias constitucionais de proteção animal, pois impede que os próprios animais figurem como titulares de direitos e interesses juridicamente tuteláveis. Já os críticos alertam para os riscos de banalização do instituto da personalidade jurídica e para as dificuldades de estabelecer representação legal e responsabilidades associadas a seres não humanos.
A experiência internacional mostra que o tema tem avançado em diferentes países. Na Índia, a Suprema Corte reconheceu animais como “entidades vivas com direitos”, enquanto na Colômbia e na Argentina houve decisões judiciais que concederam habeas corpus a animais em cativeiro, reconhecendo-lhes autonomia e dignidade. Esses precedentes têm influenciado a discussão no Brasil, embora ainda não haja consenso quanto à possibilidade de mudança legislativa nesse sentido.
O reconhecimento jurídico dos animais como sujeitos de direitos não exige necessariamente equiparação à personalidade humana, mas sim o desenvolvimento de um novo regime jurídico que reconheça suas necessidades e capacidades próprias. A criação de figuras intermediárias, como a da personalidade jurídica especial ou a do sujeito de proteção, tem sido sugerida como alternativa viável para compatibilizar os avanços éticos com a estrutura dogmática do Direito.