A crescente digitalização da sociedade tem transformado a forma como as informações são coletadas, processadas e utilizadas, especialmente no que se refere aos dados pessoais. Esse fenômeno levanta uma questão fundamental: qual é a natureza jurídica dos dados pessoais? Em um contexto jurídico em que bens materiais são claramente definidos, como imóveis ou móveis, os dados pessoais se apresentam como bens imateriais, e é justamente essa natureza intangível que torna a regulamentação e a proteção desses dados um desafio.
De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018), dados pessoais são definidos como qualquer informação relacionada a uma pessoa natural identificada ou identificável. Tais dados podem incluir informações como nome, endereço, CPF, dados bancários, históricos de navegação, entre outros. A LGPD confere um conjunto robusto de direitos e deveres sobre o tratamento desses dados, protegendo a privacidade dos indivíduos e impondo obrigações às empresas e organizações que lidam com essas informações.
A principal dificuldade jurídica que surge é definir a natureza dos dados pessoais como bens imateriais e os direitos que lhes são atribuídos. Tradicionalmente, os bens imateriais incluem coisas como propriedade intelectual (direitos autorais, patentes) e direitos de personalidade. A principal característica desses bens é que, embora não possuam uma forma física, têm valor econômico e, muitas vezes, estão sujeitos a direitos exclusivos.
Quando falamos de dados pessoais, a questão é ainda mais complexa, pois, ao contrário de bens imateriais tradicionais, os dados não pertencem necessariamente a uma pessoa única, mas podem ser coletados, analisados e utilizados de diversas formas. Eles podem ser replicados infinitamente, e a sua utilização, em muitos casos, não diminui o “estoque” de dados, como ocorre com bens materiais.
Neste contexto, a natureza jurídica dos dados pessoais poderia ser vista sob dois ângulos: como um direito da personalidade e como um bem econômico. Por um lado, os dados pessoais são uma extensão da personalidade do indivíduo, pois estão diretamente ligados à sua identidade, à sua vida privada e à sua autodeterminação. Como direito da personalidade, os dados devem ser protegidos de forma que o titular tenha controle sobre seu uso e possa decidir como e quando compartilhá-los. A LGPD, por exemplo, estabelece o direito de acesso, correção, exclusão e portabilidade dos dados, conferindo ao titular uma série de prerrogativas sobre o uso de suas informações pessoais.
Por outro lado, os dados pessoais também têm um valor econômico considerável. Muitas empresas e plataformas digitais, especialmente aquelas que operam na economia da informação, extraem, comercializam e processam dados pessoais para gerar lucros. O tratamento desses dados é essencial para o modelo de negócios de empresas de publicidade, por exemplo, que segmentam seus anúncios de acordo com as preferências e comportamentos dos usuários. Nesse sentido, os dados pessoais se configuram como um ativo valioso, que, embora não tenha uma forma física, tem um impacto direto na economia global.
A ideia de tratar os dados pessoais como bens imateriais com valor econômico também é reforçada pela jurisprudência. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se posicionado sobre a proteção dos dados pessoais como um direito fundamental, e a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, estabelece a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Isso reflete o entendimento de que os dados pessoais, como parte da identidade do indivíduo, têm um valor intrínseco que deve ser protegido.
Marcos Soares, analista jurídico do Portal do Magistrado, comenta sobre a complexidade da natureza jurídica dos dados pessoais: “A classificação dos dados pessoais como bens imateriais é um desafio jurídico, pois não podemos tratá-los como bens materiais tradicionais. Ao mesmo tempo, a sua importância econômica e pessoal é inegável. A regulamentação da proteção de dados é crucial para garantir que os direitos dos indivíduos sejam respeitados, ao mesmo tempo em que se reconhece o valor econômico dessas informações no mercado global”, afirma.
Em um cenário global em que os dados pessoais se tornam um ativo importante, a regulação da sua proteção passa a ser um ponto central de discussão. A implementação de normas como a LGPD visa não apenas garantir os direitos dos indivíduos, mas também estabelecer regras claras para o mercado digital, evitando abusos e promovendo uma utilização ética e responsável dos dados.
Além disso, a proteção dos dados pessoais também envolve a responsabilidade das empresas que coletam, processam e armazenam essas informações. O descumprimento das normas de proteção de dados pode acarretar sanções significativas, como multas e ações judiciais, o que reforça a necessidade de tratar os dados pessoais como um bem jurídico protegido por direitos que vão além da mera regulamentação de sua utilização.
Em conclusão, os dados pessoais, por sua natureza imaterial e por seu valor tanto econômico quanto de identidade, exigem uma abordagem jurídica sofisticada que os considere como bens imateriais com características próprias. A evolução da legislação e a crescente preocupação com a privacidade e a proteção dos dados pessoais são fundamentais para garantir um equilíbrio entre a inovação tecnológica e os direitos dos indivíduos.