Durante a pandemia da Covid-19, muitas famílias brasileiras enfrentaram a perda de entes queridos sem a possibilidade de realizar velórios e cerimônias presenciais. Nesse contexto, surgiram alternativas como as despedidas virtuais, que levantaram debates não apenas no campo social e psicológico, mas também no jurídico, especialmente no que diz respeito ao direito à dignidade da pessoa humana, mesmo após a morte.
Segundo Marcos Soares, do Portal do Magistrado, “o luto é um processo íntimo e coletivo ao mesmo tempo. A cerimônia de despedida, ainda que virtual, é uma expressão de respeito e solidariedade que precisa ser amparada pelo ordenamento jurídico”. Para ele, é papel do Direito assegurar que as famílias possam exercer esse momento de forma digna e segura, mesmo diante de restrições sanitárias.
O princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, tem sido base para decisões que reconhecem o direito das famílias a rituais minimamente adequados, mesmo que à distância. Além disso, o artigo 5º da mesma Constituição, que trata dos direitos fundamentais, garante o respeito à liberdade religiosa e às crenças individuais, elementos frequentemente ligados aos rituais de despedida.
Nos tribunais, houve pedidos judiciais para autorizar transmissões ao vivo de velórios, mesmo em unidades hospitalares, ou para garantir que familiares pudessem acompanhar, ainda que remotamente, os últimos momentos de seus parentes. A jurisprudência, ainda que escassa, começou a admitir que a ausência total de despedida pode ferir direitos constitucionais e princípios de humanidade.
Do ponto de vista do Direito de Família e Sucessões, os impactos também se estendem à forma como os familiares lidam com o processo de inventário e partilha, que muitas vezes é afetado emocionalmente pela ausência de um encerramento simbólico. Além disso, surgiram preocupações sobre o uso da imagem do falecido em transmissões ao vivo ou gravações, exigindo o consentimento prévio da família, conforme prevê o Código Civil nos artigos que tratam do direito à imagem e à memória.
Ainda que as cerimônias virtuais tenham surgido como alternativa emergencial, elas escancararam a necessidade de se refletir sobre como o Direito pode evoluir para proteger não apenas a vida, mas também os rituais que marcam seu fim. A regulamentação dessas práticas segue sendo um desafio, mas o debate já é uma realidade entre operadores do Direito, religiosos, profissionais de saúde e familiares.