O avanço do sistema acusatório no processo penal brasileiro tem provocado uma transformação silenciosa, mas profunda, na atuação do magistrado. Com a separação clara entre as funções de acusar, defender e julgar princípio basilar desse modelo o juiz deixa de ter um papel investigativo e assume posição de imparcialidade estrita, conduzindo o processo com neutralidade e garantindo que as partes exerçam seus direitos de forma equilibrada.
As mudanças recentes no Código de Processo Penal e na jurisprudência dos tribunais superiores reforçaram esse redesenho. Em especial, decisões do Supremo Tribunal Federal têm reafirmado a vedação à iniciativa probatória do juiz, salvo nas hipóteses expressamente previstas em lei. A lógica é simples: ao ultrapassar os limites da condução processual, o julgador compromete a paridade de armas entre acusação e defesa, rompendo com a base do sistema acusatório.
Essa reconfiguração impõe novos desafios à magistratura. O juiz deve estar atento para não assumir, mesmo que involuntariamente, o protagonismo na produção de provas. Ao mesmo tempo, precisa assegurar que o processo penal não se torne uma disputa desleal ou desequilibrada, onde a verdade material seja sacrificada em nome de formalismos.
Marcos Soares, do Portal do Magistrado, destaca que “o juiz no sistema acusatório deve atuar como garantidor do processo justo, sem interferir nas estratégias das partes. Esse equilíbrio exige formação contínua e vigilância sobre a própria conduta processual, para que a imparcialidade não seja apenas presumida, mas efetivamente praticada.”
A adoção mais rigorosa do sistema acusatório também exige ajustes institucionais. Ministérios Públicos mais bem preparados, Defensorias Públicas fortalecidas e polícias mais estruturadas são pré-condições para que o juiz possa realmente se afastar da função investigativa sem prejudicar o alcance da verdade no processo.
Em um país marcado por desigualdades e desafios no acesso à Justiça, a fidelidade ao sistema acusatório não é apenas uma questão técnica: trata-se de um compromisso com a legalidade, com os direitos fundamentais e com a credibilidade do Judiciário. O desafio está posto e exige dos magistrados não só conhecimento, mas uma nova postura diante do processo penal.
