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os casos de maior repercussão no direito penal em 2025

Na área do direito penal, uma das decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com maior repercussão em 2025 foi a concessão de habeas corpus para anular todos os atos de um processo por injúria racial movido contra um homem negro, acusado de ofender um branco com referências à cor da pele. A anulação do processo que condenou a arquiteta Adriana Villela pela morte de seus pais, no caso conhecido como Crime da 113 Sul, e a absolvição de quatro pessoas acusadas no Caso Evandro também marcaram o noticiário nessa área.

Entre os 18 temas julgados sob a sistemática dos recursos repetitivos, destaca-se o entendimento da Terceira Seção de que a confissão espontânea atenua a pena mesmo sem interferir no convencimento do julgador. O colegiado, que reúne as duas turmas de direito penal, também definiu que os cuidados prestados pela presa ao filho recém-nascido podem ser computados para fins de remição da pena, tratou da prevalência da Lei Maria da Penha sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nos crimes de violência doméstica e fixou diretrizes sobre o reconhecimento de pessoas.

Tribunal afastou possibilidade de reconhecimento do chamado “racismo reverso”

Em fevereiro, a Sexta Turma concedeu habeas corpus para anular um processo por injúria racial movido contra um homem negro acusado de ofender um homem branco com referências à cor da pele, ao entender que o chamado “racismo reverso” não se enquadra na tipificação penal da injúria racial. O relator, ministro Og Fernandes, salientou que a injúria racial só se configura quando há uma relação de opressão histórica, e que “o racismo é um fenômeno estrutural que historicamente afeta grupos minoritários, não se aplicando a grupos majoritários em posições de poder”.

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Segundo o magistrado, ofensas de negros contra brancos podem ocorrer, mas, se a agressão se basear unicamente na cor da pele, ela deve ser analisada como outro enquadramento que não o de injúria racial. “Não é possível acreditar que a população brasileira branca possa ser considerada minoritária. Por conseguinte, não há como a situação narrada nos autos corresponder ao crime de injúria racial”, comentou o ministro.

Anulação de condenações no Crime da 113 Sul

Em julgamento ocorrido em setembro, a Sexta Turma anulou a ação que condenou a arquiteta Adriana Villela a 61 anos e três meses de prisão pela morte de seus pais e da empregada do casal, em 2009, no caso conhecido como Crime da 113 Sul. A decisão determinou o reinício do processo, com a possibilidade de ratificação das provas já existentes e de produção de novas.

O ministro Sebastião Reis Júnior, cujo voto prevaleceu no julgamento, constatou que houve cerceamento de defesa ao longo de toda a ação penal, pois, apesar de reiteradas solicitações, os depoimentos dos corréus que apontaram Adriana como a mandante do crime, colhidos em 2010, só foram disponibilizados à defesa no sétimo dia da sessão do tribunal do júri, realizada em 2019.

No mês seguinte, o colegiado também anulou a condenação e determinou o trancamento da ação penal contra Francisco Mairlon Barros Aguiar, sentenciado a 47 anos de prisão por homicídio e furto qualificado no mesmo caso. Na ocasião, ao classificar a condenação como um exemplo de “erro judiciário gravíssimo”, a Sexta Turma ordenou a imediata soltura do réu, que já havia passado 14 anos preso.

Em seu voto, Sebastião Reis Júnior, relator, destacou que o acusado foi submetido a julgamento pelo tribunal do júri apenas com base em confissões apresentadas pela polícia e nos relatos dos corréus, sem outras provas que sustentassem a acusação, em clara violação aos princípios do devido processo legal e da presunção da inocência.

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É inadmissível que, no Estado Democrático de Direito, um acusado seja pronunciado e condenado por um tribunal de juízes leigos, apenas com base em elementos de informação da fase extrajudicial, dissonantes da prova produzida em juízo e sob o crivo do contraditório.


REsp 2.232.036

Ministro Sebastião Reis Júnior

Absolvições no Caso Evandro e anulação de provas contra médica acusada de matar pacientes

Outro julgamento de grande repercussão em setembro foi sobre o Caso Evandro, no qual a Sexta Turma confirmou a absolvição de quatro pessoas acusadas de terem matado o menino Evandro Ramos Caetano, de 6 anos, em 1992, na cidade de Guaratuba (PR). O colegiado reconheceu que as condenações em primeira instância foram baseadas em provas obtidas ilicitamente, mediante tortura.

O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, realçou em seu voto que tanto a pronúncia quanto a condenação foram fundamentadas principalmente em uma confissão extrajudicial ilícita, obtida mediante tortura, e que as demais provas não permitiam ter certeza acerca da autoria. “A exclusão das confissões ilícitas acarretou a absoluta ausência de provas para a condenação”, afirmou.

Alguns meses antes, em abril, a Quinta Turma declarou a nulidade de provas apresentadas contra uma médica acusada de antecipar mortes em UTI, ao concluir que foram produzidas a partir de mandado de busca e apreensão genérico, sem delimitação precisa e sem a individualização dos fatos investigados. O ministro Joel Ilan Paciornik disse que, embora as acusações contra a médica fossem de extrema gravidade, as leis brasileiras não admitem diligências investigativas que ultrapassem os limites da razoabilidade e da proporcionalidade.

A médica respondia, na ocasião, a mais de 80 investigações e ações penais. O ministro rejeitou o pedido da defesa para trancamento generalizado dos procedimentos, argumentando que a declaração de nulidade das provas obtidas ilegalmente exigiria a reavaliação de cada processo, já que poderia haver outros elementos que sustentassem o seu prosseguimento.

Prisão de ex-auditor que forjou a própria morte e condenação do blogueiro Allan dos Santos

No mês de outubro, a Sexta Turma revogou a extinção de punibilidade do ex-auditor fiscal do município de São Paulo Arnaldo Augusto Pereira, que forjou a própria morte ao apresentar certidão de óbito falsa nos autos de um processo em tramitação na corte. No julgamento, sob relatoria do ministro Antonio Saldanha Palheiro, foi decretada a prisão preventiva do réu e restabelecida a pena de 18 anos de reclusão por concussão e lavagem de dinheiro.

Segundo a denúncia do Ministério Público de São Paulo, o ex-auditor integrava a chamada Máfia do ISS e teria cometido os crimes durante sua atuação no cargo. Em seu voto, o relator observou que a certidão de óbito juntada aos autos não era materialmente falsificada, mas apresentava conteúdo inverídico — tratava-se, portanto, de falsidade ideológica. O ministro ainda citou precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite revogar decisão que reconheceu a extinção da punibilidade com fundamento em certidão de óbito falsa.

No mês seguinte, a Sexta Turma decidiu, por maioria, não analisar o mérito do recurso interposto pela defesa do blogueiro Allan dos Santos em ação movida pela cineasta Estela Renner. No caso, o colegiado entendeu não ser possível reenquadrar a condenação por calúnia no crime menos grave de injúria sem violar a Súmula 7, que proíbe o reexame de fatos e provas em recurso especial.

O blogueiro alegou que não havia prova de que ele tinha ciência inequívoca da falsidade da acusação que fez à cineasta. O ministro Sebastião Reis Júnior, autor do voto que prevaleceu no colegiado, avaliou que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) examinou os fatos e as provas de forma minuciosa antes de concluir pela prática de calúnia. Assim, para eventualmente reformar a decisão, o STJ teria que reexaminar todo o quadro fático-probatório.

Repetitivo define que confissão atenua pena mesmo sem interferir na ##sentença##

No campo dos precedentes qualificados, a Terceira Seção, em setembro, consolidou o entendimento de que a confissão espontânea, prevista no Código Penal, é apta a atenuar a pena, mesmo quando não influencia o convencimento do juiz e ainda que existam outras provas nos autos. No julgamento do Tema 1.194, foram fixadas duas teses sobre o assunto.

Segundo o relator, ministro Og Fernandes, a jurisprudência do STJ admite “amplíssima possibilidade de incidência” dessa atenuante, independentemente do momento em que for feita a confissão, de sua manutenção ao longo do processo, do seu proveito e de sua completude ante a acusação – nesse último caso, frequentemente, com atenuação em menor grau.

Sobre a hipótese de retratação, o ministro explicou que ela invalida a confissão como ato jurídico, mas não afasta a possibilidade de o réu usufruir da atenuante quando sua confissão tiver efetivamente contribuído para a descoberta da verdade. Para Og Fernandes, “o fato de a confissão ter produzido efeitos anteriores irreversíveis faz com que os efeitos futuros favoráveis ao réu se produzam”.

Cuidados com recém-nascido em presídio podem ser considerados para remição

Em agosto, a Terceira Seção reconheceu que os cuidados dispensados ao recém-nascido por mulher condenada, na ala de amamentação do presídio, podem ser considerados como trabalho para fins de remição da pena. Para o colegiado, a redução do tempo de cumprimento da pena é válida com base em uma interpretação extensiva do termo “trabalho” previsto no artigo 126 da Lei de Execução Penal (LEP), sobretudo porque a própria Constituição equipara ao trabalho o período de afastamento da gestante, garantindo-lhe a manutenção do emprego e o recebimento do salário durante a licença-maternidade.

O ministro Sebastião Reis Júnior, relator, ressaltou que as dificuldades enfrentadas pelas mães presas, ao desempenharem uma atividade que exige esforço contínuo e é fundamental ao desenvolvimento saudável da criança, devem ser levadas em conta para assegurar equidade de gênero no acesso à remição da pena. “As mulheres encarceradas enfrentam dificuldades significativamente maiores para reduzir o tempo de cumprimento da pena, devido à sua responsabilidade no cuidado de crianças pequenas dentro das unidades prisionais”, comentou.

Prevalência da Lei Maria da Penha sobre o ECA e reconhecimento de pessoas

Ao julgar o Tema 1.186 dos recursos repetitivos, em fevereiro, a Terceira Seção decidiu que o gênero feminino da vítima é suficiente para fazer incidir a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) nos casos de violência doméstica e familiar, prevalecendo as disposição dessa lei quando houver conflito com outros instrumentos legais, como o ECA.

O relator, ministro Ribeiro Dantas, afirmou que a Lei Maria da Penha não impõe nenhum critério etário, de modo que a condição de mulher, por si só, atrai a competência da vara especializada em violência doméstica e familiar.

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É correto afirmar que o gênero feminino, independentemente de ser a vítima criança ou adolescente, é condição única e suficiente para atrair a aplicabilidade da Lei 11.340/2006 nos casos de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher.

Processo em segredo

Em outro repetitivo, em junho, foram fixadas seis teses sobre o procedimento de reconhecimento de pessoas previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP). O relator do Tema 1.258, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, considerou ser imprescindível o máximo de exatidão na identificação de suspeitos. Conforme apontou, são vários os fatores que comprometem a confiabilidade do reconhecimento fotográfico ou presencial, tais como falhas da memória, traumas gerados pelo crime e estereótipos culturais.

“O que se busca aqui não é dificultar a atividade policial, mas, ao contrário, incentivar a realização de outras diligências possíveis aptas a demonstrar a autoria delitiva e, com isso, proporcionar maior segurança jurídica”, concluiu.

Ilicitude de buscas coletivas em favela e rejeição de carta psicografada como prova

A Sexta Turma, em abril, anulou as provas obtidas por agentes da polícia que entraram de forma indiscriminada em várias residências próximas ao local de uma abordagem. O colegiado frisou que, mesmo se houvesse ordem judicial, não seria possível realizar buscas coletivas, pois o mandado deve especificar expressamente o endereço da diligência, conforme o artigo 243, inciso I, do CPP.

O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, ressaltou que essa exigência impede autorizações genéricas para ingressar em todas as casas de uma área, sem distinção. “Afinal, se nem a uma autoridade judicial é permitido autorizar devassa domiciliar coletiva, com ainda mais razão é vedado que medida desse tipo seja diretamente executada pelo próprio policial, a saber, em caráter autoexecutório”, declarou.

Em outro julgamento, em outubro, o colegiado estabeleceu que uma carta psicografada não pode ser aceita como prova em processo judicial, pois não possui confiabilidade mínima capaz de sustentar a comprovação dos fatos alegados. Na ocasião, Schietti observou que o sistema de livre apreciação da prova deve seguir critérios racionais de apuração dos fatos. Segundo ele, para ser admitida no processo, a prova precisa ser legal e confiável, demonstrando capacidade mínima de esclarecer o fato alegado: “A crença na psicografia consiste em um ato de fé. Atos de fé, por definição, prescindem de demonstração racional e, portanto, são opostos aos atos de prova”.  

No caso analisado, o relator afirmou que a carta não deveria ser classificada como ilícita, mas sim irrelevante, devendo ser retirada dos autos para evitar que o conselho de sentença fosse influenciado. “Nos processos submetidos ao júri, é de suma importância que o juiz presidente promova filtragem cuidadosa e criteriosa dos elementos probatórios incorporados aos autos, a fim de desentranhar provas logicamente irrelevantes ou epistemicamente inidôneas”, acrescentou.

Erro de proibição afasta estupro de vulnerável, e redes sociais podem fundamentar preventiva

No mês de outubro, a Quinta Turma entendeu que o enquadramento do réu no artigo 217-A do Código Penal – que prevê o crime de estupro de vulnerável – pode ser afastado diante de evidências de erro de proibição e inexistência de lesão social relevante. No caso, o colegiado reformou a condenação de um homem de 19 anos que manteve relacionamento amoroso e sexual com uma menina de 13, o que resultou no nascimento de um filho.

Para os ministros, embora a Súmula 593 estabeleça a vulnerabilidade absoluta de menores de 14 anos, é possível aplicar o distinguishing para afastar a configuração do delito em situações excepcionais, como nos casos em que ocorre erro de proibição.

Alguns meses mais cedo, em abril, o colegiado definiu que juízes podem consultar perfis públicos nas redes sociais de investigados e utilizar essas informações como fundamento para decretar prisão preventiva ou outras medidas cautelares. Para o colegiado, essa consulta, realizada a partir de dados públicos, não viola o sistema acusatório nem compromete a imparcialidade do julgador, desde que respeitados os limites legais.

“Especificamente quanto ao fato de o magistrado ter realizado a consulta pessoalmente, tem-se medida de economia processual, diante da facilidade do acesso às informações públicas disponíveis em rede social”, concluiu o relator, ministro Joel Ilan Paciornik. Ele considerou que a atuação do magistrado no caso foi “diligente e cuidadosa”, e que não houve demonstração de nenhum prejuízo à defesa.

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Se o magistrado pode determinar a realização de diligências, nada obsta que possa fazê-las. Inclusive, o artigo 212, parágrafo único, do CPP possui previsão expressa da atuação direta do magistrado na fase instrutória.

Processo em segredo

Ministro Joel Ilan Paciornik

Fonte: STJ

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Retrospectiva STJ 2025 no direito público