O uso de Big Data e inteligência artificial (IA) na prevenção de crimes tem gerado intensos debates no meio jurídico. Sistemas avançados de análise de dados já são utilizados por forças policiais e órgãos de segurança em diversas partes do mundo para prever padrões criminais, identificar suspeitos e até antecipar possíveis delitos. No entanto, essa abordagem levanta questões sobre sua legalidade e seus impactos nos direitos fundamentais, especialmente no que se refere à privacidade e ao princípio da presunção de inocência.
No Brasil, não há uma legislação específica que regulamente o uso de algoritmos para a prevenção criminal. No entanto, princípios do Direito Penal e Constitucional impõem limites para sua aplicação. De acordo com o Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940), ninguém pode ser punido sem a comprovação de um crime, e a Constituição Federal de 1988 assegura o direito à intimidade e à liberdade individual. Assim, o uso de tecnologia para prever delitos antes mesmo de sua ocorrência pode entrar em conflito com garantias fundamentais.
Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, alerta para os riscos desse tipo de abordagem: “A ideia de prever crimes antes que aconteçam pode parecer eficiente, mas esbarra em questões éticas e jurídicas muito delicadas. Se um cidadão for abordado ou vigiado apenas porque um algoritmo indicou um suposto risco, onde fica o princípio da presunção de inocência?”, questiona.
Além da preocupação com a violação de direitos, especialistas apontam desafios como:
- Viés algorítmico: Os sistemas de IA são treinados com base em dados históricos, o que pode perpetuar discriminações sociais e raciais. Se um determinado grupo populacional for super-representado nas estatísticas criminais, o algoritmo pode reforçar padrões de abordagem injustos.
- Falta de transparência: Muitas dessas tecnologias operam como “caixas-pretas”, sem que seus critérios de decisão sejam totalmente compreendidos. Isso dificulta a fiscalização e a contestação de decisões baseadas nesses sistemas.
- Legalidade da coleta de dados: Para que os algoritmos funcionem, é necessário reunir uma grande quantidade de informações sobre indivíduos e ambientes urbanos. O uso desses dados sem consentimento pode entrar em conflito com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018).
Apesar dos desafios, algumas cidades ao redor do mundo já utilizam modelos preditivos na segurança pública. Nos Estados Unidos, por exemplo, departamentos de polícia empregam software de análise preditiva para mapear áreas com maior probabilidade de crimes e otimizar o patrulhamento. No Brasil, projetos similares começam a ser discutidos, mas ainda sem um marco regulatório específico.
A regulamentação dessa tecnologia será um passo essencial para evitar abusos e garantir que a inteligência artificial no Direito Penal respeite os princípios democráticos. O desafio é encontrar um equilíbrio entre segurança pública e proteção dos direitos individuais, garantindo que a inovação tecnológica seja utilizada de forma ética e juridicamente válida.
