A ascensão da gig economy — economia baseada em trabalhos temporários e sob demanda — transformou profundamente as relações de trabalho no mundo. No Brasil, milhares de pessoas atuam como motoristas de aplicativos, entregadores, freelancers e prestadores de serviços digitais, muitas vezes sem qualquer vínculo formal ou garantias previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Essa nova realidade coloca o Direito do Trabalho diante de um dos seus maiores desafios contemporâneos: como garantir proteção mínima a esses profissionais sem sufocar a inovação e a flexibilidade que caracterizam o modelo?
Embora as plataformas digitais argumentem que oferecem apenas a intermediação entre prestadores e usuários, a realidade mostra que muitas controlam aspectos fundamentais da atividade: regras de conduta, valores mínimos, penalidades e até rotas e algoritmos que influenciam diretamente o modo de prestação do serviço. Com isso, surgem indícios de uma subordinação estrutural, conceito que tem sido discutido no meio jurídico como forma de enquadrar esse tipo de relação.
Atualmente, a justiça trabalhista brasileira adota posicionamentos divergentes sobre a caracterização de vínculo empregatício com base nos critérios clássicos da CLT: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação. Alguns tribunais têm reconhecido o vínculo com base no controle algorítmico exercido pelas plataformas; outros entendem que há autonomia suficiente para afastar a relação de emprego.
A ausência de uma legislação específica abre espaço para insegurança jurídica, tanto para os trabalhadores quanto para as empresas de tecnologia. Nesse cenário, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3.748/2020, que propõe criar uma categoria intermediária de trabalhador por plataforma, com direitos específicos, como acesso à previdência, remuneração mínima e proteção contra desligamento arbitrário.
Para o jurista Marcos Soares, editor do Portal do Magistrado, é preciso encontrar um equilíbrio entre a modernidade das relações econômicas e a dignidade do trabalho. “O Direito não pode fechar os olhos para o fato de que, por trás da tecnologia, existem pessoas que dependem desses aplicativos para sobreviver. A legislação precisa evoluir para reconhecer novas formas de subordinação e assegurar direitos mínimos, sem engessar o modelo de negócio”, afirma.
Outro ponto crítico é a previdência social. Muitos trabalhadores da gig economy não contribuem para o INSS, o que compromete o acesso à aposentadoria, auxílio-doença e demais benefícios. Uma eventual regulação deveria, portanto, incluir mecanismos de contribuição simplificada ou obrigatória, como já ocorre com os microempreendedores individuais (MEIs).
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também tem alertado para a necessidade de criar normas globais de proteção aos trabalhadores de plataformas, diante da internacionalização dessas empresas e da diversidade de modelos adotados em diferentes países.
No Brasil e no mundo, o desafio está em consolidar um novo pacto trabalhista: que preserve a flexibilidade e a autonomia, mas que também garanta condições mínimas de trabalho decente, segurança jurídica e proteção social.
