Com o avanço das tecnologias e a digitalização das relações sociais, a violência contra a mulher também assumiu novas formas — mais sutis, mais difíceis de rastrear, mas igualmente nocivas. Nesse novo cenário, a aplicação das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) enfrenta o desafio de se manter eficaz frente às agressões que ocorrem em ambiente virtual. A chamada violência digital, que vai desde ameaças em redes sociais até o vazamento de imagens íntimas, exige do Judiciário e dos órgãos de segurança pública uma atualização constante de suas práticas.
As medidas protetivas, como o afastamento do agressor, a proibição de contato e a suspensão do porte de armas, continuam sendo ferramentas essenciais. Contudo, na era digital, surgem obstáculos: como impedir o contato por meio de perfis falsos, aplicativos de mensagens instantâneas ou plataformas cujos dados são difíceis de rastrear? A resposta jurídica para esse novo tipo de violência tem sido a adaptação das medidas tradicionais a essas novas dinâmicas, além da criação de normativas específicas, como a Lei nº 14.132/2021, que tipifica o crime de perseguição (stalking), inclusive no ambiente virtual.
Outro avanço importante foi a regulamentação do artigo 22-C da Lei Maria da Penha, incluído em 2021, que autoriza o deferimento de medidas protetivas de urgência independentemente de inquérito policial ou ação judicial. Isso amplia o acesso rápido e simplificado à proteção do Estado, inclusive por meios eletrônicos, como já ocorre em diversas comarcas que aceitam o pedido via aplicativos ou plataformas do Poder Judiciário.
Apesar dessas inovações, a efetividade das medidas protetivas ainda é comprometida por fatores estruturais. A ausência de delegacias especializadas em muitas regiões, a falta de capacitação das autoridades para lidar com crimes digitais e a lentidão na remoção de conteúdos ofensivos nas redes dificultam o cumprimento das determinações judiciais. Além disso, há um déficit de monitoramento do cumprimento das ordens, especialmente nos casos em que o agressor utiliza canais digitais para continuar a violência de forma velada.
Para Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, o combate à violência contra a mulher no ambiente virtual exige uma atuação coordenada entre Judiciário, Ministério Público, polícia e empresas de tecnologia. “As medidas protetivas precisam evoluir junto com os meios pelos quais a violência é praticada. A criação de varas especializadas em violência doméstica digital, o uso de inteligência artificial para rastreamento de agressores e a responsabilização mais ágil das plataformas são caminhos promissores. Mas sem estrutura e capacitação, a resposta continuará aquém da gravidade dos casos”, afirma.
Em um país onde uma mulher é vítima de violência a cada poucos minutos, garantir a efetividade das medidas protetivas é mais do que uma obrigação legal: é um imperativo ético. Na era digital, o conceito de “aproximação” ganhou novas dimensões, e o Direito precisa estar preparado para oferecer proteção efetiva mesmo quando o agressor está a apenas um clique de distância.