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A Natureza Jurídica dos Programas de Pontos e Milhas Aéreas

Os programas de fidelidade, especialmente os de pontos e milhas aéreas, conquistaram espaço relevante no mercado de consumo brasileiro. O que começou como uma estratégia de marketing para fidelizar clientes de companhias aéreas hoje movimenta uma verdadeira economia paralela, com direito a marketplaces próprios e até venda e transferência de milhas. Diante desse cenário, cresce o debate sobre a natureza jurídica desses programas e os direitos que os consumidores realmente possuem em relação a eles.

Na prática, os programas de milhagem funcionam como contratos de adesão firmados entre os consumidores e as administradoras — que podem ser vinculadas às companhias aéreas ou atuar como empresas independentes. Ocorre que esses contratos, apesar de sua ampla difusão, costumam ser pouco transparentes, com regras que podem ser alteradas unilateralmente pelas empresas, como validade dos pontos, taxas de resgate e disponibilidade de assentos para voos-prêmio.

A principal controvérsia jurídica gira em torno da qualificação dos pontos e milhas: seriam eles um direito adquirido do consumidor, uma expectativa de direito ou uma mera liberalidade da empresa? Embora a legislação brasileira não trate diretamente do tema, a jurisprudência e os órgãos de defesa do consumidor têm se posicionado de maneira a reconhecer que, uma vez acumulados, os pontos representam um crédito contratual que deve ser respeitado nos termos inicialmente pactuados.

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Em decisões recentes, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou o entendimento de que as regras dos programas devem observar o Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente no que se refere à boa-fé, à informação clara e à proibição de práticas abusivas. Um exemplo é o julgamento do Recurso Especial 1.899.304, no qual o STJ considerou que mudanças repentinas e sem aviso prévio nas condições de uso das milhas configuram violação à confiança legítima do consumidor.

Além disso, os tribunais têm enfrentado discussões sobre herança de milhas, cancelamento de contas sem justificativa e negativa de emissão de passagens por falta de disponibilidade, mesmo com pontos suficientes. Em todos esses casos, a tônica das decisões tem sido o equilíbrio contratual e a proteção do consumidor contra cláusulas que, embora contratuais, são consideradas excessivamente onerosas.

Para Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, a natureza jurídica dos programas de milhagem ainda carece de regulamentação específica, o que gera insegurança jurídica. “Esses programas deixaram de ser simples brindes e se tornaram ativos econômicos relevantes. O Judiciário tem feito avanços importantes para assegurar os direitos dos consumidores, mas seria fundamental que o legislador enfrentasse esse tema com mais clareza normativa”, pontua.

Enquanto não há uma legislação específica, a tendência é que os tribunais continuem aplicando os princípios do Direito do Consumidor para garantir previsibilidade e equilíbrio na relação contratual. A fidelidade do consumidor, afinal, não pode ser usada como escudo para práticas arbitrárias sob a justificativa de contratos de adesão. Em um mercado cada vez mais digitalizado e competitivo, transparência e responsabilidade são exigências mínimas.

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