A implementação de programas de compliance na Administração Pública tem ganhado destaque como estratégia de prevenção à corrupção e de fortalecimento da integridade institucional. Inspirada inicialmente no setor privado, a cultura do compliance — termo que remete ao cumprimento de normas e à promoção da ética — tem se expandido para os órgãos públicos, impulsionada por legislações como a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e a Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016). No entanto, sua efetividade ainda enfrenta importantes desafios jurídicos e operacionais.
O compliance público vai além da criação de códigos de conduta. Ele envolve a adoção de medidas sistemáticas para identificar riscos, estabelecer controles internos, treinar servidores e garantir a transparência das ações administrativas. A Controladoria-Geral da União (CGU) tem promovido programas de integridade em diversos órgãos federais, com foco na prevenção de ilícitos e na melhoria da gestão pública.
Do ponto de vista jurídico, um dos grandes obstáculos está na ausência de regulamentação unificada para todos os entes da Federação. Muitos municípios e estados ainda não possuem legislação ou estrutura técnica adequada para implantar programas de integridade de forma eficaz. Além disso, há entraves culturais, como a resistência à mudança de práticas arraigadas e a dificuldade de responsabilização de agentes públicos em contextos de falhas coletivas.
Outro desafio recorrente é a necessidade de garantir a independência e a autonomia das unidades de compliance dentro da estrutura pública. Em muitos casos, o conflito entre interesses políticos e a função de fiscalização interna pode comprometer a atuação dos responsáveis pela integridade. A ausência de incentivos legais ou orçamentários também dificulta a institucionalização desses programas em órgãos de pequeno e médio porte.
Apesar das dificuldades, decisões recentes dos tribunais de contas e do Poder Judiciário têm reforçado a importância do compliance como critério de boa governança. A adoção de mecanismos de integridade, por exemplo, já tem sido considerada atenuante em casos de responsabilização por irregularidades, e pode até servir como critério em contratações públicas, conforme previsto na nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021).
Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, avalia que o compliance público está em processo de consolidação, mas requer um compromisso institucional mais robusto. “A implantação de programas de integridade na administração direta e indireta é um passo essencial para resgatar a confiança da sociedade na gestão pública. No entanto, é preciso superar o formalismo. Não basta criar manuais e comissões — é necessário que o compliance seja efetivo, com respaldo normativo, monitoramento contínuo e, sobretudo, vontade política”, afirma.
Nesse cenário, o avanço do compliance no setor público depende tanto de regulamentação mais clara quanto da construção de uma cultura organizacional orientada pela ética. À medida que essas práticas se fortalecem, é possível vislumbrar uma administração mais eficiente, transparente e capaz de prevenir desvios antes que eles se tornem escândalos. O caminho é longo, mas cada passo representa um avanço concreto rumo à integridade pública.