Com o avanço da economia digital, a coleta, o tratamento e a monetização de dados se tornaram centrais para o funcionamento de empresas e plataformas tecnológicas. Nesse cenário, uma pergunta começa a ganhar cada vez mais espaço nos debates jurídicos: é possível reconhecer algum tipo de propriedade intelectual sobre dados coletados? Ou, em outras palavras, existe um titular legítimo dessas informações?
A princípio, os dados em si — especialmente os chamados dados brutos — não são protegidos diretamente pela legislação de propriedade intelectual, como a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) ou a Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). Isso porque, para serem considerados obra protegida, é necessário que haja originalidade e criatividade, o que geralmente não se aplica a dados isolados, como temperatura ambiente ou número de acessos a um site.
No entanto, quando esses dados são organizados em bancos estruturados, submetidos a curadoria, classificados de maneira não trivial ou utilizados para a criação de modelos analíticos ou algoritmos, a situação muda. Nesse contexto, pode-se discutir a proteção da base de dados como um todo, e não dos dados individualmente, com base no esforço intelectual ou financeiro empregado na sua organização.
O tema se torna ainda mais complexo com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei nº 13.709/18), que trata da titularidade dos dados sob a perspectiva da proteção à privacidade, e não da propriedade intelectual. A LGPD estabelece que o titular dos dados é a pessoa natural a quem se referem as informações, o que cria um aparente conflito entre os direitos do indivíduo e o interesse econômico das empresas que coletam e tratam essas informações.
Na prática, empresas que operam com modelos de negócios baseados em dados — como marketplaces, redes sociais, serviços financeiros e plataformas de streaming — enfrentam o desafio de conciliar o respeito aos direitos dos titulares com a necessidade de garantir exclusividade sobre conjuntos de dados valiosos. Isso leva ao uso de contratos, termos de uso e políticas de privacidade que tentam atribuir algum grau de controle ou exclusividade sobre os dados tratados, muitas vezes gerando polêmica.
Ainda não há consenso jurisprudencial sobre se é possível aplicar, de forma plena, o conceito de titularidade ou de propriedade aos dados. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já analisaram casos envolvendo dados pessoais e empresariais, mas sem firmar tese sobre a existência de direito de propriedade sobre essas informações.
Para Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, o debate sobre dados e propriedade intelectual é um dos mais relevantes do nosso tempo. “Estamos diante de um ativo que movimenta bilhões, mas cujo enquadramento jurídico ainda é incerto. A titularidade sobre dados não pode ser tratada de forma simplista, pois envolve interesses individuais, direitos fundamentais e disputas comerciais globais. O Direito precisará evoluir para oferecer respostas seguras sem sufocar a inovação”, comenta.
Diante desse panorama, cresce a importância de um marco legal mais claro sobre o uso econômico de dados, especialmente no tocante à sua proteção, licenciamento, compartilhamento e exclusividade. Enquanto isso, empresas, juristas e legisladores seguem tentando responder à pergunta fundamental: quem é, de fato, o dono dos dados?