Com a crescente digitalização das atividades religiosas, especialmente após o fortalecimento de práticas virtuais durante e após a pandemia, emergiu um novo debate jurídico: a aplicação da imunidade tributária prevista na Constituição Federal aos templos que operam também — ou exclusivamente — no ambiente digital. A questão envolve a interpretação do artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituírem impostos sobre “templos de qualquer culto”.
Tradicionalmente, a imunidade abrange os bens, rendas e serviços diretamente relacionados às finalidades essenciais da entidade religiosa, como os imóveis utilizados para celebrações, a receita de doações e atividades vinculadas ao culto. No entanto, com a expansão de cultos transmitidos por redes sociais, canais de streaming e plataformas próprias, surge o desafio de definir se o espaço virtual pode ser equiparado ao templo físico para fins tributários.
Para Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, “a doutrina majoritária e os tribunais superiores já reconhecem que a imunidade tributária tem natureza objetiva e deve acompanhar a evolução da prática religiosa. O ambiente digital, quando usado como extensão ou substituição do templo físico, pode e deve ser protegido pela mesma imunidade, desde que sua finalidade essencial esteja preservada.” Segundo ele, a discussão deve focar na destinação dos meios virtuais e na vinculação dessas estruturas ao exercício do culto, independentemente do suporte tecnológico utilizado.
Apesar da ausência de regulamentação específica sobre templos virtuais, algumas decisões judiciais já sinalizam a aplicação do princípio da imunidade a ferramentas digitais utilizadas para a propagação da fé. Em geral, os tribunais exigem demonstração clara de que os recursos arrecadados — mesmo quando provenientes de plataformas online — são aplicados exclusivamente nas finalidades religiosas, o que exige transparência na contabilidade das instituições.
Outro ponto em debate diz respeito à cobrança de impostos sobre serviços utilizados pelas igrejas digitais, como hospedagem de sites, anúncios patrocinados ou ferramentas de transmissão ao vivo. Nesses casos, a imunidade tributária não se estende aos fornecedores terceirizados, mas pode haver discussão sobre o alcance da isenção caso esses serviços sejam fundamentais ao exercício do culto.
Enquanto não há uma normatização específica para o fenômeno, o entendimento majoritário tem sido o de aplicar a imunidade constitucional de forma funcional, acompanhando a transformação dos meios de culto e considerando a liberdade religiosa como princípio norteador. Assim, a presença dos templos no ambiente virtual não retira sua natureza imune, mas exige critérios claros para que essa proteção não seja desvirtuada para fins lucrativos ou alheios à fé.
O avanço da religião no espaço digital impõe ao Direito o desafio de preservar garantias constitucionais em novos formatos. O reconhecimento da imunidade tributária de templos em ambientes virtuais, portanto, caminha para ser mais uma etapa de adaptação do sistema jurídico à realidade contemporânea da fé e da tecnologia.