A crescente judicialização da saúde mental no Brasil tem colocado em evidência o papel do Judiciário na análise de pedidos de internação compulsória de pessoas em sofrimento psíquico. A prática, embora prevista em lei, levanta debates jurídicos e éticos sobre os limites da atuação estatal frente à autonomia individual, especialmente quando envolve medidas extremas como a privação da liberdade por meio da internação forçada.
A legislação brasileira autoriza a internação compulsória por meio da Lei nº 10.216/2001, que trata da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais. A norma determina que essa modalidade de internação só pode ocorrer mediante autorização judicial e laudo médico circunstanciado, além de estar sujeita a revisão periódica. O objetivo é garantir que o tratamento seja adequado e necessário, respeitando os princípios do devido processo legal, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade.
Na prática, a judicialização ocorre quando familiares ou o Ministério Público ingressam com ações judiciais para requerer a internação de pessoas que, por conta de transtornos mentais, colocam em risco a própria integridade ou a de terceiros. Os magistrados, diante dessas demandas, precisam avaliar rapidamente provas médicas, laudos psiquiátricos e, em muitos casos, determinar medidas urgentes em contextos de crise social ou familiar.
Para Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, “as internações compulsórias são medidas de exceção que exigem do Judiciário sensibilidade, conhecimento técnico e rigor jurídico. O risco é transformar a tutela judicial em instrumento de exclusão social, sem que haja o devido acompanhamento por políticas públicas de saúde e assistência.”
Além da análise legal, os tribunais têm enfrentado o desafio de fiscalizar a qualidade e legalidade dos estabelecimentos em que essas internações ocorrem. Muitos casos envolvem clínicas particulares sem registro adequado ou sem a supervisão da vigilância sanitária, o que agrava a situação do paciente e pode configurar violação de direitos humanos. O Judiciário, portanto, também atua na garantia de que a execução da ordem judicial esteja de acordo com as normas sanitárias e de proteção aos direitos fundamentais.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já firmaram entendimento de que a internação compulsória deve ser sempre a última medida, precedida de tentativas terapêuticas em liberdade e do fortalecimento da rede de apoio psicossocial. O Judiciário, nesse cenário, é chamado a atuar não apenas como aplicador da lei, mas também como fiscal do cumprimento das políticas públicas de saúde mental.
O aumento dos pedidos judiciais por internações forçadas evidencia a insuficiência da rede de atenção psicossocial no país. A falta de centros de apoio, equipes multidisciplinares e programas de reinserção social muitas vezes empurra famílias para o sistema de justiça como única alternativa de cuidado, sobrecarregando o Judiciário e expondo a fragilidade estrutural da política de saúde mental.
A judicialização da saúde mental, quando necessária, deve respeitar o devido processo legal, com atenção aos princípios constitucionais, à integridade do paciente e à busca de soluções terapêuticas que privilegiem a dignidade humana e a liberdade, sempre em diálogo com a rede pública de saúde.