O uso de dados pessoais e inteligência artificial para influenciar eleitores por meio de campanhas digitais segmentadas — prática conhecida como microtargeting — tem levantado preocupações no Direito Eleitoral brasileiro. Em tempos de algoritmos, o princípio do voto livre e consciente enfrenta novos desafios diante da manipulação psicológica e da opacidade das plataformas digitais.
Para Marcos Soares, do Portal do Magistrado, “o microtargeting político pode transformar a promessa de uma comunicação personalizada em uma ameaça à integridade do processo eleitoral. A Justiça Eleitoral precisa avançar na regulação das campanhas digitais, exigindo transparência, controle de dados e respeito ao direito à autodeterminação informativa dos cidadãos”.
O marco constitucional do voto secreto, direto e livre está previsto no artigo 14 da Constituição Federal. A liberdade do voto, no entanto, pressupõe que o eleitor tenha acesso a informações plurais e confiáveis, o que se torna mais difícil quando campanhas são direcionadas com base em perfis comportamentais e interesses individuais não declarados. Essa prática, quando utilizada de forma opaca, pode distorcer a esfera informacional do eleitor e violar o equilíbrio entre os candidatos.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já demonstrou preocupação com a influência das redes sociais e da desinformação nas eleições, especialmente após os episódios de 2018. Desde então, resoluções passaram a prever a obrigatoriedade de identificação de conteúdo impulsionado, além de regras mais rígidas para o uso de ferramentas de automação e bancos de dados.
Contudo, o microtargeting desafia essas normas ao operar em zonas cinzentas: mensagens personalizadas, entregues a públicos segmentados com base em rastros digitais, muitas vezes não chegam ao conhecimento geral e não passam por escrutínio público. Esse cenário compromete a igualdade de condições entre os concorrentes, dificultando a fiscalização por parte da Justiça Eleitoral e da sociedade civil.
Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei nº 13.709/2018) trouxe princípios fundamentais que precisam ser observados nas campanhas eleitorais, como a finalidade, necessidade, transparência e o consentimento do titular. A coleta e o tratamento de dados para fins eleitorais sem base legal clara pode configurar infração administrativa ou até ilícito eleitoral.
O debate sobre microtargeting envolve ainda a responsabilização de plataformas digitais, que atuam como intermediárias do conteúdo político. A jurisprudência começa a exigir dessas empresas mecanismos mais eficazes de auditoria e prestação de contas, inclusive no fornecimento de dados às autoridades eleitorais sobre os critérios de impulsionamento e alcance das mensagens.
A discussão sobre o uso de algoritmos nas eleições é internacional. Países como França e Alemanha já impõem restrições severas ao uso de dados sensíveis e práticas de segmentação política, enquanto o Parlamento Europeu propôs proibir o microtargeting baseado em características pessoais como crenças religiosas, orientação sexual ou convicções políticas.
No Brasil, à medida que novas tecnologias ampliam a sofisticação das campanhas, cresce a urgência por uma legislação eleitoral que compreenda os riscos dos algoritmos para a democracia. Proteger o voto livre hoje não se limita a coibir a compra de votos físicos, mas também a garantir que a decisão do eleitor não seja moldada por estratégias invisíveis e desiguais. É nesse terreno que o Direito Eleitoral contemporâneo deve atuar para preservar a legitimidade do processo democrático.
