O debate sobre a legalidade e a constitucionalidade da cobrança de mensalidades em cursos de pós-graduação lato sensu (especializações) oferecidos por universidades públicas volta ao centro das discussões acadêmicas e jurídicas. Embora seja prática consolidada em diversas instituições, a cobrança de valores para esses cursos tem sido questionada à luz do artigo 206, inciso IV, da Constituição Federal, que prevê a “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”.
A controvérsia gira em torno da natureza jurídica desses cursos. Enquanto a pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) é, em regra, gratuita nas universidades públicas por estar inserida na atividade-fim da instituição, a lato sensu, por não estar diretamente vinculada à pesquisa científica e ser voltada para o mercado de trabalho, é frequentemente tratada como curso de extensão e, portanto, passível de cobrança.
No entanto, há quem sustente que, mesmo sendo de natureza complementar, a pós-graduação lato sensu faz parte do sistema educacional público e, por isso, também deveria seguir o princípio da gratuidade. Esse entendimento ganhou força após decisões judiciais isoladas e manifestações do Ministério Público Federal que apontam possíveis violações ao texto constitucional, além de eventuais distorções no uso de recursos públicos para fins lucrativos.
A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023, quando foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7331, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), com o objetivo de declarar inconstitucional a cobrança de mensalidades por universidades públicas em cursos lato sensu. O julgamento, ainda pendente de conclusão, tem potencial para modificar de forma significativa o modelo de financiamento da educação superior no Brasil.
Defensores da gratuidade argumentam que permitir a cobrança amplia desigualdades, pois restringe o acesso à especialização àqueles que podem pagar, contrariando o princípio da igualdade de oportunidades. Por outro lado, as instituições de ensino sustentam que a cobrança permite a oferta de maior número de cursos e garante autonomia universitária, prevista no artigo 207 da Constituição.
Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, avalia que a questão precisa ser enfrentada com equilíbrio. “A cobrança de mensalidades em cursos lato sensu oferecidos por universidades públicas escancara a tensão entre autonomia universitária e o princípio da gratuidade do ensino. Embora os cursos atendam a uma demanda de mercado, é preciso lembrar que a Constituição não faz distinção entre modalidades. O STF terá a missão de interpretar esse limite e, qualquer que seja a decisão, impactará profundamente o modelo educacional público brasileiro”, afirma.
Enquanto o Supremo não bate o martelo, o cenário continua incerto. Universidades seguem oferecendo cursos pagos, sob respaldo de normativas internas e de entendimentos administrativos que sustentam a legalidade da prática. Contudo, a crescente judicialização do tema e a atuação do Ministério Público sugerem que essa prática pode vir a ser revista, colocando em xeque não apenas os contratos firmados com alunos, mas o próprio financiamento de parte da estrutura universitária.