Nos últimos anos, tem crescido a judicialização de disputas patrimoniais entre ex-cônjuges, especialmente nos casos em que foi celebrado pacto antenupcial. Esses instrumentos, firmados antes do casamento para estabelecer o regime de bens e outras disposições patrimoniais, nem sempre conseguem evitar litígios, exigindo do Judiciário uma interpretação que concilie a vontade das partes com os princípios do Direito de Família.
Para Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, esse tipo de conflito revela a tensão entre a autonomia privada e a necessidade de proteção jurídica dos cônjuges. “Os pactos antenupciais são uma expressão legítima da liberdade contratual, mas, muitas vezes, acabam redigidos de forma genérica ou com cláusulas ambíguas. Isso gera insegurança jurídica e exige que o juiz vá além da letra do contrato para compreender o contexto e a real intenção das partes no momento da celebração”, explica.
O Código Civil brasileiro prevê no artigo 1.653 a possibilidade de estipulação de pacto antenupcial, obrigatória nos casos de regimes diferentes da comunhão parcial. Esse pacto, para ter validade, deve ser registrado em escritura pública e respeitar os limites legais, sobretudo os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva.
Apesar da formalidade, a interpretação dessas cláusulas pode variar conforme a natureza do bem discutido, a data da aquisição, o esforço comum durante o casamento e, em alguns casos, a vulnerabilidade econômica de um dos cônjuges. A jurisprudência tem demonstrado sensibilidade ao analisar situações em que a aplicação literal do pacto poderia gerar enriquecimento sem causa ou prejuízo desproporcional.
Em regimes como o da separação convencional de bens, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu hipóteses em que, mesmo diante do pacto, foi admitida a partilha de bens adquiridos durante a constância do casamento, com base na teoria do esforço comum. Em contrapartida, há decisões que reforçam a autonomia das partes, negando qualquer divisão quando ficou comprovado que cada um atuou de forma independente na formação do patrimônio.
Além das questões sobre divisão de bens, os pactos também podem conter cláusulas sobre pensão, doações entre cônjuges e administração de patrimônios individuais, o que amplia o campo de possíveis disputas após o divórcio.
A interpretação judicial dos pactos antenupciais, portanto, tem se desenvolvido em uma zona de equilíbrio entre a rigidez do contrato e a realidade das relações afetivas, exigindo do julgador atenção à casuística, à boa-fé e aos princípios constitucionais que regem o Direito das Famílias.
