A precariedade do saneamento básico em muitas regiões do Brasil levanta uma importante discussão jurídica: o Estado pode ser responsabilizado civilmente pela omissão na implementação de políticas públicas essenciais à saúde e à dignidade da população? A resposta tem sido afirmativa em diversos tribunais, com base em fundamentos constitucionais e no princípio da responsabilidade objetiva da Administração Pública.
A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 6º, que o saneamento básico é um direito social, e no artigo 23, inciso IX, determina que é competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios promover programas de saneamento. Mais ainda, o artigo 225 prevê que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que inclui o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário. Quando esses direitos não são assegurados, especialmente em áreas carentes, surgem violações a direitos fundamentais.
Nesse cenário, a responsabilidade civil do Estado por omissão ocorre quando o poder público se abstém de agir diante de uma obrigação legal e constitucional. A jurisprudência tem reconhecido que, ao deixar comunidades expostas a doenças por falta de rede de esgoto ou acesso à água potável, o ente estatal infringe o dever de garantir condições mínimas de vida digna. Decisões recentes do STJ e tribunais estaduais vêm condenando municípios e estados ao pagamento de indenizações por danos morais e materiais em casos de surtos de doenças associadas à ausência de saneamento.
Além do viés indenizatório, o Poder Judiciário também tem atuado em ações civis públicas, exigindo a implementação de políticas públicas de saneamento em regiões negligenciadas. Essa atuação, muitas vezes acusada de ativismo judicial, tem como base o princípio da eficácia dos direitos fundamentais, segundo o qual o Judiciário deve intervir quando há omissão estatal grave e comprovada.
Marcos Soares, jornalista do Portal do Magistrado, comenta que a responsabilização do Estado é uma consequência da omissão institucional. “Quando falamos em ausência de saneamento básico, não estamos tratando apenas de uma falha administrativa, mas da perpetuação de um ciclo de exclusão e doença. O Judiciário tem cumprido um papel de garantir o mínimo existencial, e a responsabilização civil do Estado funciona como um instrumento para pressionar a formulação de políticas públicas concretas”, afirma.
Apesar dos avanços jurisprudenciais, ainda há muitos entraves práticos, como a morosidade na execução de decisões e a dificuldade orçamentária dos entes federativos. No entanto, o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado por omissão nesse campo representa um passo importante na consolidação do saneamento como direito fundamental, e não como mera promessa política.